quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Novíssimo Banco?

A questão central no caso BES, que vos proponho, é esta: preferem que haja custo zero para os depositantes ou custo zero para os contribuintes?

O atraso na actuação dos reguladores no caso BES (mesmo assim uma melhoria face ao caso BPN) trouxe avultados prejuízos ao próprio banco e a um conjunto alargado de investidores, sem que isso tenha sequer impedido a falência das holdings do GES. Não me vou agora debruçar sobre isto, que dava um outro artigo, mas sobre a solução encontrada.

Julgo que é útil olhar para essa solução como resposta a um problema com três objectivos e duas restrições. Os objectivos eram, por esta ordem: 1) proteger os depositantes portugueses; 2) garantir a estabilidade financeira; 3)             minimizar o custo para contribuintes. As restrições eram: a) respeitar o sentido da legislação sobre união bancária, que deverá entrar em vigor em 2015; b) a incerteza sobre extensão dos problemas, apesar de tudo o que já se sabe. Foi esta incerteza que impediu o surgimento de investidores privados interessados, para além de existir incerteza sobre a solução, devido a possível contestação judicial dos accionistas.

Reconhecendo a impossibilidade de criar um solução sem problemas, considero que a fórmula desenhada é razoavelmente positiva. A questão central no caso BES, que vos proponho, é esta: preferem que haja custo zero para os depositantes ou custo zero para os contribuintes?

Pessoalmente, prefiro – claramente – custo zero para os depositantes. Para enquadrar a questão, é essencial ter presente que Portugal apresenta um nível excepcionalmente elevado de dívida externa, o que nos coloca numa posição de especial vulnerabilidade e dependência face ao financiamento externo.

Se os depositantes em Portugal deixassem de estar inteiramente seguros, isso provocaria uma desastrosa fuga de capitais, não só do BES, mas de todos os outros bancos. Relembro a extrema sensibilidade com que as cotações dos outros bancos têm reagido aos problemas no BES.

Uma fuga de capitais agravaria a nossa extrema dependência do financiamento externo. É óbvio que isso provocaria uma subida das taxas de juro da dívida portuguesa, agravando o défice público, para além de dificultar o financiamento dos bancos portugueses, constituindo um forte travão à recuperação económica e à criação de emprego. Seria uma catástrofe em cima de uma calamidade. Tal como a solução foi desenhada, mesmo que acabe por haver custos para os contribuintes, tudo indica que estes serão apenas uma fracção do que custou o BPN, um banco muito mais pequeno.

Para aqueles que preferiam defender os contribuintes de toda e qualquer perda, haveria ainda a possibilidade de dividir o Novo Banco em dois. No Novíssimo Banco (banco bom) ficariam os depósitos até 100 mil euros, enquanto no Novo Banco (banco assim-assim) permaneceriam os de montante superior, mantendo-se o BES com o seu actual estatuto (banco mesmo mau).

Voltando à solução encontrada, convém considerar algumas alternativas para se perceber que dificilmente se poderia fazer melhor. A alternativa da falência não respeitaria o objectivo de minimizar o custo para os contribuintes, porque teria que haver garantia dos depósitos até 100 mil euros e o Fundo de Garantia de Depósitos só dispõe de 1 500 milhões euros, manifestamente insuficiente para materializar aquela garantia, impondo pesados custos aos contribuintes.

Tratar os pequenos accionistas de forma mais favorável iria contra as condições do mecanismo de resolução e acarretaria perdas muitíssimo superiores para os contribuintes, porque implicaria também um tratamento preferencial para os obrigacionistas.

Apesar de tudo, julgo que o Banco de Portugal poderia ajudar os pequenos accionistas a processarem a antiga administração por danos causados, oferecendo-lhes toda a ajuda jurídica possível, bem como fornecendo-lhes o máximo de provas para incriminar os administradores responsáveis por comportamentos tão reprováveis.

Quanto às acusações de confisco, elas não fazem sentido, porque os accionistas no BES são ainda donos do Novo Banco, no sentido em que têm direito a qualquer eventual lucro que a sua venda proporcione, sem que tenham participado com um único euro do capital necessário para que esse lucro seja gerado.


[Publicado no jornal “i”]

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