A inflação portuguesa tem registado valores negativos desde
há seis meses e a taxa subjacente também está de forma mais nítida em
território negativo, o que tem suscitado alguns receios de Portugal vir a
registar problemas de deflação. Sugiro a análise do enquadramento externo, dos
riscos de deflação e dos problemas decorrentes da sua concretização.
Antes de mais, convém recordar que o BCE está totalmente
consciente dos riscos de deflação para o conjunto da zona do euro, estando
disponível para actuar caso a situação se agrave. Neste momento, as
expectativas de inflação do BCE prevêem uma subida paulatina desta variável, de
0,7% no corrente ano, para 1,1% no próximo ano e 1,4% em 2016. Ou seja, quando
muito teríamos breves meses de deflação para o conjunto do euro.
Desde finais de 2012 que Portugal vem registando uma taxa de
inflação inferior em cerca de 1 ponto percentual à da zona do euro, devido ao
enfraquecimento económico. As projecções do Banco de Portugal não apresentam
uma diferença tão pronunciada face aos nossos parceiros, quase anulada de 2015
em diante, pelo que poderão estar a sobrestimar a inflação portuguesa.
Em resumo, num cenário mais negativo, é possível que a
inflação média em Portugal seja marginalmente negativa em 2014 e marginalmente
positiva no ano seguinte.
Será que este cenário de potencial moderadíssima deflação
causará problemas à economia portuguesa? É duvidoso. A deflação costuma adiar
despesa e agravar a dívida em termos reais. Em relação ao adiamento da despesa,
é preciso relembrar que o consumo privado em Portugal representava 65,6% do PIB
em 2013, contra apenas 57,3% na zona do euro. Ou seja, o ajustamento da nossa economia
ainda está longe de concluído e se a deflação ajudasse a acelerar este processo
isso não deveria ser encarado como inteiramente negativo.
Admitamos que a eventual deflação em Portugal decorreria, no
essencial, de uma inflação mais baixa do que o actualmente antecipado na zona
do euro. Então, isso prolongaria o período de taxas de juro muito baixas,
limitando o seu impacto negativo da deflação sobre o endividamento. Para as
famílias portuguesas, a recuperação dos preços do imobiliário em curso limitará
também o impacto de uma eventual da subida da dívida em termos reais.
A dívida pública é que poderá sofrer um pouco com a
deflação, mas como estamos a falar de valores tão reduzidos durante um período
tão limitado, não é provável que seja significativo.
A deflação também forçará o congelamento salarial em
Portugal, ao invés do que se deverá passar no núcleo da zona do euro, o que
ajudará à recuperação da nossa competitividade.
Em resumo, dada a singularidade da posição portuguesa na
zona do euro, é provável que os efeitos de uma eventual deflação não sejam tão
negativos como é habitual decorrer deste fenómeno, podendo mesmo registarem-se
algumas vantagens.
[Publicado
no Jornal de Negócios]
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