A limpeza da banca não
se deve ficar pelo BES, nem ser limpa apenas pelo Banco de Portugal, mas também
pelo Ministério Público
As últimas notícias sobre a banca, nomeadamente o folhetim
no BES e o livro sobre Jardim Gonçalves, exigem uma reflexão sobre este sector.
Em primeiro lugar, é preciso recordar a responsabilidade da
banca no resgate da troika. Se
Portugal viveu tantos anos acima das suas possibilidades, isso deveu-se, em
parte substancial, à banca, que cometeu dois erros graves. O primeiro erro
consistiu em conceder empréstimos num volume muito superior aos recursos que ia
captando internamente, gerando uma parte substancial da nossa gigantesca dívida
externa. O segundo erro foi a estrutura desse crédito, exageradissimamente
concentrado no sector não transaccionável, sobretudo imobiliário e construção,
que nunca geraria os recursos para fazer face às responsabilidades face ao
exterior que estavam a ser criadas.
Se há sector que não tem desculpa de ignorar as
consequências macroeconómicas das suas decisões é banca. Não só por ser um
sector muito concentrado, como por ter departamentos de macroeconomia. Como
economista-chefe do Banco Santander Totta, até 2002, tive oportunidade de
lançar inúmeros avisos sobre a trajectória insustentável que a banca seguia, em
particular no artigo “Défice e endividamento externos”, publicado no número de
Jul/Ago de 2001, na entretanto extinta revista Economia Pura.
É verdade que o Banco de Portugal, sob a péssima gestão de
Constâncio, não ajudou nada, antes tendo fomentado uma irresponsabilidade
generalizada. Mas os bancos não têm o direito de invocar isto para se defenderem
dos erros graves que cometeram. Os bancos não são crianças para argumentarem
que o pai ou a mãe os deixaram fazer asneiras.
Os factos recentes vindos a público permitem duas
interpretações: ou os bancos são marionetas do poder político ou o poder
político é marioneta da banca. Não me consigo decidir a escolher nenhuma das
teses. Provavelmente uma e outra são válidas, em relação a períodos diferentes
e a bancos diferentes.
Uma coisa me parece clara: é impossível desresponsabilizar a
banca por todos os erros cometidos, atirando essa responsabilidade para os
políticos. Em primeiro lugar, porque a banca tem a obrigação, pensando a prazo
sobre a sua sobrevivência, de assegurar que não está a caminhar por trajectos
insustentáveis. Em segundo lugar, porque deveria deter sempre o poder da
“persuasão moral”. Se os políticos a forçarem a algo que coloca em causa a sua
sobrevivência a prazo, podem ceder no curto prazo, mas fazer sentir ao poder
político que não poderão continuar muito mais tempo com essas políticas.
Se a política funciona com base em resultados de curto
prazo, a banca não pode funcionar assim, porque as carreiras dos banqueiros são
mais longas do que a duração dos governos. Por maioria de razão isto se aplica
ao caso de banqueiros que descendem de uma família de banqueiros com várias
gerações, como é o caso particular dos Espírito Santo. Ora, no final de 2009,
Ricardo Salgado ainda defendia o TGV, que seria mais um prego no caixão da
nossa competitividade.
Para além da incompetência, houve também episódios claros de
actos dolosos, para os quais a justiça teve uma acção de uma ligeireza
incompreensível.
Agora que o Banco de Portugal, sob a batuta de Carlos Costa,
se prepara para um acto de limpeza no BES, era conveniente que esta operação
fosse completa e que estimulasse a CMVM e o Ministério Público a sair do torpor
em que têm estado. Agradecia-se encarecidamente a NÃO repetição da justiça a
fingir, que não percebe que uma multa de um milhão de euros não é matéria de
primeira instância e que a prescrição de processos deixa uma profunda suspeita
de corrupção sobre todos os envolvidos.
A ideia da criação de um “conselho estratégico” no BES com
todos aqueles que o Banco de Portugal quis afastar da administração é
totalmente inadmissível e o regulador já deveria informado o BES de que este
conselho não deve ser criado ou, em contrapartida, nenhum dos administradores
afastados deve fazer parte dele.
[Publicado no jornal “i”]
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