quarta-feira, 25 de junho de 2014

Limpeza na banca

A limpeza da banca não se deve ficar pelo BES, nem ser limpa apenas pelo Banco de Portugal, mas também pelo Ministério Público

As últimas notícias sobre a banca, nomeadamente o folhetim no BES e o livro sobre Jardim Gonçalves, exigem uma reflexão sobre este sector.

Em primeiro lugar, é preciso recordar a responsabilidade da banca no resgate da troika. Se Portugal viveu tantos anos acima das suas possibilidades, isso deveu-se, em parte substancial, à banca, que cometeu dois erros graves. O primeiro erro consistiu em conceder empréstimos num volume muito superior aos recursos que ia captando internamente, gerando uma parte substancial da nossa gigantesca dívida externa. O segundo erro foi a estrutura desse crédito, exageradissimamente concentrado no sector não transaccionável, sobretudo imobiliário e construção, que nunca geraria os recursos para fazer face às responsabilidades face ao exterior que estavam a ser criadas.

Se há sector que não tem desculpa de ignorar as consequências macroeconómicas das suas decisões é banca. Não só por ser um sector muito concentrado, como por ter departamentos de macroeconomia. Como economista-chefe do Banco Santander Totta, até 2002, tive oportunidade de lançar inúmeros avisos sobre a trajectória insustentável que a banca seguia, em particular no artigo “Défice e endividamento externos”, publicado no número de Jul/Ago de 2001, na entretanto extinta revista Economia Pura.

É verdade que o Banco de Portugal, sob a péssima gestão de Constâncio, não ajudou nada, antes tendo fomentado uma irresponsabilidade generalizada. Mas os bancos não têm o direito de invocar isto para se defenderem dos erros graves que cometeram. Os bancos não são crianças para argumentarem que o pai ou a mãe os deixaram fazer asneiras.

Os factos recentes vindos a público permitem duas interpretações: ou os bancos são marionetas do poder político ou o poder político é marioneta da banca. Não me consigo decidir a escolher nenhuma das teses. Provavelmente uma e outra são válidas, em relação a períodos diferentes e a bancos diferentes.

Uma coisa me parece clara: é impossível desresponsabilizar a banca por todos os erros cometidos, atirando essa responsabilidade para os políticos. Em primeiro lugar, porque a banca tem a obrigação, pensando a prazo sobre a sua sobrevivência, de assegurar que não está a caminhar por trajectos insustentáveis. Em segundo lugar, porque deveria deter sempre o poder da “persuasão moral”. Se os políticos a forçarem a algo que coloca em causa a sua sobrevivência a prazo, podem ceder no curto prazo, mas fazer sentir ao poder político que não poderão continuar muito mais tempo com essas políticas.

Se a política funciona com base em resultados de curto prazo, a banca não pode funcionar assim, porque as carreiras dos banqueiros são mais longas do que a duração dos governos. Por maioria de razão isto se aplica ao caso de banqueiros que descendem de uma família de banqueiros com várias gerações, como é o caso particular dos Espírito Santo. Ora, no final de 2009, Ricardo Salgado ainda defendia o TGV, que seria mais um prego no caixão da nossa competitividade.

Para além da incompetência, houve também episódios claros de actos dolosos, para os quais a justiça teve uma acção de uma ligeireza incompreensível.

Agora que o Banco de Portugal, sob a batuta de Carlos Costa, se prepara para um acto de limpeza no BES, era conveniente que esta operação fosse completa e que estimulasse a CMVM e o Ministério Público a sair do torpor em que têm estado. Agradecia-se encarecidamente a NÃO repetição da justiça a fingir, que não percebe que uma multa de um milhão de euros não é matéria de primeira instância e que a prescrição de processos deixa uma profunda suspeita de corrupção sobre todos os envolvidos.

A ideia da criação de um “conselho estratégico” no BES com todos aqueles que o Banco de Portugal quis afastar da administração é totalmente inadmissível e o regulador já deveria informado o BES de que este conselho não deve ser criado ou, em contrapartida, nenhum dos administradores afastados deve fazer parte dele.


[Publicado no jornal “i”]

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