Ao contrário da
generalidade dos países europeus, a austeridade não é o principal problema para
o crescimento em Portugal e Itália
Agora que se iniciou a corrida para a liderança do PS e,
possivelmente, para a escolha do próximo primeiro-ministro, era conveniente que
os temas essenciais do país fossem tornados conscientes e discutidos.
Um desses temas incontornáveis é o par
crescimento/globalização, intimamente interligados. Ao contrário da
generalidade dos países europeus, e ao contrário da crença generalizada, a
austeridade não é o principal problema para o crescimento em Portugal e Itália.
No nosso caso, estamos com um problema de crescimento económico desde há 15
anos e no caso italiano há mais de 20 anos, muito anteriores à austeridade.
Em 1989, com a queda do muro de Berlim, deu-se a abertura do
Leste Europeu, a forma de globalização que mais nos tocava. Estes países estão
muito mais próximos do centro europeu, tinham trabalhadores com formação muito
superior à portuguesa e salários ainda mais baixos do que os nossos. Competir
com eles ia ser sempre difícil.
Nos primeiros anos, estes países tiveram que criar novas
instituições para passarem a viver em economia de mercado e que alterar a sua
estrutura produtiva, não sendo inicialmente muito atraentes. Neste período,
Portugal respondeu bem ao desafio colocado pela abertura a Leste, tendo
negociado a instalação da Auto-Europa em 1991, o último (!) grande investimento
de raiz que conseguimos atrair, que começou a produzir em 1995.
Este ano de 1995 apresenta um conjunto assinalável de
coincidências. Foi o último ano de um período de virtual equilíbrio externo,
iniciado em 1985, para além de ter marcado uma mudança de ciclo político.
Finalmente, e muito curiosamente, é o primeiro ano para o qual o FMI fornece
dados que nos permitem comparar o nosso rendimento por habitante com o dos
oito países do Leste que viriam a entrar na UE em 2004. Em 1995, todos estes
países eram mais pobres do que nós.
Entretanto, eles foram progredindo e Portugal foi ficando
para trás. Em 2002, a Eslovénia foi o primeiro a ultrapassar-nos, seguindo-se
mais cinco até agora. De acordo com as previsões do FMI, em 2019, a Polónia
também nos deverá passar à frente, sobrando apenas a Letónia e a Hungria como
mais pobres do que nós, mas em condições de nos ultrapassarem pouco tempo
depois.
Entretanto, em 1995, a China, o maior gigante da
globalização, tinha um rendimento por habitante que era 11% do português, mas em
2013 já atingia os 43% e em 2019 deverá subir para 57% do nosso rendimento.
Quem diz que “não podemos competir com a China” tem cada vez menos razão,
porque é cada vez mais isso que seremos forçados a fazer.
Gostava ainda de acrescentar que o envelhecimento da
população obrigaria sempre a uma reforma (leia-se “cortes”) do Estado social.
Se juntarmos a isso uma economia estagnada, seremos forçados a cortar ainda
mais no Estado social.
Por tudo isto, julgo que não é preciso insistir na
necessidade de reformas profundas que nos permitam voltar a crescer e a lidar
com sucesso com a globalização, muito para além de uma eventual reprogramação
da austeridade.
Esta mensagem está com muita dificuldade em passar: não é o
fim da austeridade (que nem poderá chegar tão cedo) que vai trazer crescimento significativo
a Portugal. É preciso muito mais do que isso, mas enquanto esta mensagem não
for assumida, vai ser muito difícil contrariar todos os interesses instalados
que não querem mudar. Em particular, ainda não ouvi nenhum economista da área
do PS a reconhecer isto publicamente. Mas é preciso ir muito para além disto, é
preciso os parceiros sociais reconhecerem isto, é preciso os portugueses
perceberem isto.
Propor a medida A ou B é inútil, enquanto o verdadeiro
objectivo dessas medidas não for colectivamente assumido.
Peço desculpa por me estar a repetir em relação a artigos
anteriores, mas é porque este assunto – crucial – ainda não foi interiorizado.
[Publicado no jornal “i”]
1 comentário:
O último grande investimento foi em 1991 a Auto-Europa. Parece que a Alemanha decidiu virar-se para a Europa de Leste. O Televisor que comprei há alguns anos atrás foi fabricado na Eslovénia. Parece que temos de virar-nos para outro lado. Já alguém apresentou o outro lado do Atlântico, aproveitando a proposta de Obama.
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