As mais recentes
medidas tomadas pelo BCE poderão ser eficazes, mas vêm tarde
O BCE continua a agir com grande atraso, embora tenha que se
reconhecer que o seu actual presidente, Mario Draghi, tem revelado muito mais
criatividade e ousadia do que os seus demasiado ortodoxos antecessores.
A descida da taxa de referência em 0,1% para 0,15% deve ter
efeitos muito limitados, através da redução das taxas Euribor, que são
referência para muitos empréstimos, sobretudo em Portugal. Isso deverá criar
uma muito ligeira folga nos devedores e pouco mais. Isto é assim, porque os
canais habituais de transmissão da política monetária estão entupidos, tendo a
zona do euro deixado de ser um único mercado, para passar a estar fragmentado
em mercados nacionais, questão a que regressaremos em breve.
A taxa de juro dos depósitos no BCE deixou de ser nula, para
passar a ser negativa em 0,1%, uma decisão inédita no conjunto dos mais
importantes bancos centrais do mundo. Qual o impacto desta medida? Parece-me
que o impacto é incerto, mas potencialmente significativo. No auge da crise do
euro, os bancos dos países excedentários começaram a acumular montantes
prodigiosos de reservas acima do legalmente exigido, pelo receio que tinham de
emprestar estes fundos a bancos da periferia. Este problema ainda não está
completamente resolvido, mas o BCE já tinha conseguido diminuir os depósitos
excessivos duas operações de refinanciamento de longo prazo.
Há quem tenha manifestado o receio de que esta medida
levasse os bancos a exigir um pagamento pelos depósitos à ordem, para além de
baixar a taxa de juro sobre os depósitos a prazo. Julgo que nem na Alemanha tal
ocorrerá, mas em Portugal é que certamente que não (o pagamento pelos depósitos
à ordem). Os bancos portugueses continuam a ter, como um todo, um volume de
empréstimos superior ao de depósitos e, devido à tal fragmentação do mercado
monetário da zona do euro, continuam com dificuldade em financiar esta
diferença. Por isso, não se podem dar ao luxo de hostilizar os depositantes.
Outro efeito mais palpável poderia ser a desejável
depreciação do euro, a forma mais potente de reduzir de forma sensível os
riscos de deflação. Neste domínio, o BCE poderia actuar de forma mais forte,
assumindo – sem ambiguidades – uma severa crítica aos excedentes externos
elevadíssimos de alguns países da zona do euro, em particular da Alemanha.
Já que mais ninguém o faz, o BCE deveria sinalizar a
necessidade de coordenação das políticas macroeconómicas na zona do euro. Os
países periféricos foram obrigados a eliminar os seus défices externos e os
países excedentários deveriam diminuir os seus excedentes, para impedir que a
zona do euro atingisse o seu actual elevadíssimo superavit externo, que tem
duas graves consequências. Por um lado, provoca a apreciação do euro, que
dificulta o ajustamento dos países periféricos e é um dos elementos essenciais
dos riscos de deflação. Por outro, traduz-se na contracção da procura interna
da zona do euro, que debilita o crescimento económico e constitui um elemento
adicional nos riscos de deflação.
A decisão de estímulo ao crédito às PME é mais obviamente
positiva, embora chegue com “apenas” quatro anos de atraso. Em meados de 2010,
o mercado monetário da zona do euro fragmentou-se em mercados nacionais,
impedindo que as sucessivas descidas da taxa de juro de referência do BCE
tivessem o esperado efeito expansionista nos países periféricos.
Passado todo este tempo e os sucessivos resgates às
economias mais fragilizadas, só agora o BCE tomou consciência da necessidade de
reduzir as graves consequências da fragmentação do mercado monetário que
supervisiona. Quando se fizer a história do fim do euro, chegar-se-á –
obviamente – à conclusão que a incompetência do BCE, minorada por algumas decisões
acertadas, mas tardias, terão sido uma das causas mais importantes pela
gravidade com que o fim da união monetária chegou.
[Publicado no jornal “i”]
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