quarta-feira, 11 de junho de 2014

BCE atrasado

As mais recentes medidas tomadas pelo BCE poderão ser eficazes, mas vêm tarde

O BCE continua a agir com grande atraso, embora tenha que se reconhecer que o seu actual presidente, Mario Draghi, tem revelado muito mais criatividade e ousadia do que os seus demasiado ortodoxos antecessores.

A descida da taxa de referência em 0,1% para 0,15% deve ter efeitos muito limitados, através da redução das taxas Euribor, que são referência para muitos empréstimos, sobretudo em Portugal. Isso deverá criar uma muito ligeira folga nos devedores e pouco mais. Isto é assim, porque os canais habituais de transmissão da política monetária estão entupidos, tendo a zona do euro deixado de ser um único mercado, para passar a estar fragmentado em mercados nacionais, questão a que regressaremos em breve.

A taxa de juro dos depósitos no BCE deixou de ser nula, para passar a ser negativa em 0,1%, uma decisão inédita no conjunto dos mais importantes bancos centrais do mundo. Qual o impacto desta medida? Parece-me que o impacto é incerto, mas potencialmente significativo. No auge da crise do euro, os bancos dos países excedentários começaram a acumular montantes prodigiosos de reservas acima do legalmente exigido, pelo receio que tinham de emprestar estes fundos a bancos da periferia. Este problema ainda não está completamente resolvido, mas o BCE já tinha conseguido diminuir os depósitos excessivos duas operações de refinanciamento de longo prazo.

Há quem tenha manifestado o receio de que esta medida levasse os bancos a exigir um pagamento pelos depósitos à ordem, para além de baixar a taxa de juro sobre os depósitos a prazo. Julgo que nem na Alemanha tal ocorrerá, mas em Portugal é que certamente que não (o pagamento pelos depósitos à ordem). Os bancos portugueses continuam a ter, como um todo, um volume de empréstimos superior ao de depósitos e, devido à tal fragmentação do mercado monetário da zona do euro, continuam com dificuldade em financiar esta diferença. Por isso, não se podem dar ao luxo de hostilizar os depositantes.

Outro efeito mais palpável poderia ser a desejável depreciação do euro, a forma mais potente de reduzir de forma sensível os riscos de deflação. Neste domínio, o BCE poderia actuar de forma mais forte, assumindo – sem ambiguidades – uma severa crítica aos excedentes externos elevadíssimos de alguns países da zona do euro, em particular da Alemanha.

Já que mais ninguém o faz, o BCE deveria sinalizar a necessidade de coordenação das políticas macroeconómicas na zona do euro. Os países periféricos foram obrigados a eliminar os seus défices externos e os países excedentários deveriam diminuir os seus excedentes, para impedir que a zona do euro atingisse o seu actual elevadíssimo superavit externo, que tem duas graves consequências. Por um lado, provoca a apreciação do euro, que dificulta o ajustamento dos países periféricos e é um dos elementos essenciais dos riscos de deflação. Por outro, traduz-se na contracção da procura interna da zona do euro, que debilita o crescimento económico e constitui um elemento adicional nos riscos de deflação.

A decisão de estímulo ao crédito às PME é mais obviamente positiva, embora chegue com “apenas” quatro anos de atraso. Em meados de 2010, o mercado monetário da zona do euro fragmentou-se em mercados nacionais, impedindo que as sucessivas descidas da taxa de juro de referência do BCE tivessem o esperado efeito expansionista nos países periféricos.

Passado todo este tempo e os sucessivos resgates às economias mais fragilizadas, só agora o BCE tomou consciência da necessidade de reduzir as graves consequências da fragmentação do mercado monetário que supervisiona. Quando se fizer a história do fim do euro, chegar-se-á – obviamente – à conclusão que a incompetência do BCE, minorada por algumas decisões acertadas, mas tardias, terão sido uma das causas mais importantes pela gravidade com que o fim da união monetária chegou.


[Publicado no jornal “i”]

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