Como o primeiro-ministro muito bem salientou (alguma vez
tinha que acertar…), é preciso escrutinar muito melhor os juízes do Tribunal
Constitucional (TC), cujas decisões se têm revelado uma autêntica roleta
jurídica.
Como temos vindo a verificar, nem a própria maioria conhecia
o pensamento dos juízes que recomendou para fazerem parte deste tribunal. Isto
é a prova dos nove de que o actual sistema é completamente opaco.
Para resolver este magno problema sugiro que se copie a
solução adoptada pelos países que já inventaram a roda, nomeadamente os EUA,
onde os juízes candidatos ao Supremo Tribunal de Justiça são submetidos a um
exigente e extensivo exame parlamentar.
Todos precisamos de conhecer o pensamento dos juízes candidatos
ao nosso TC, em provas públicas no parlamento.
Exponho de seguida algumas das perguntas que me parecem
relevantes nesse exame. O carácter invulgarmalmente programático da
Constituição de 1976, dentro do panorama europeu (consegue imaginar a constituição
alemã dizer que o país está a caminho de uma sociedade democrata-cristã?),
parece-lhe um defeito a minorar pelo TC ou, pelo contrário, uma qualidade a
acentuar por este tribunal? Considera o Tratado de Maastricht, incorporado nos
actuais tratados europeus, conforme com a Constituição? Considera o Tratado
Orçamental, uma condição essencial para a permanência bem-sucedida do país no
euro, conforme com a Constituição? Considera que o Memorando de Entendimento,
assinado com a troika,
constitucional? Considera que os privilégios anteriormente atribuídos à função
pública, tais como reformas muito mais favoráveis do que no sector privado, o
acesso exclusivo à ADSE, proibição de despedimentos, entre outros, violaram o
princípio da igualdade e que deveriam ter sido declarados inconstitucionais
quando foram aprovados? Considera que a redução destes privilégios constitui
uma aplicação do princípio da igualdade ou, pelo contrário, uma violação deste
mesmo princípio? Considera que os sucessivos aumentos de impostos, sempre
declarados como provisórios, desde 2002, constituem uma clara violação do
princípio da confiança dos contribuintes no Estado, ou não? Considera que os
direitos de quem recebe pagamentos do Estado são superiores aos direitos dos
contribuintes? Considera que os princípios meramente implícitos na Constituição
têm força superior às obrigações do Estado português perante os tratados
europeus?
Deixo ao critério dos leitores a formulação de outras
perguntas relevantes para o conhecimento do pensamento dos candidatos ao TC.
Gostaria ainda de salientar que todos os candidatos a juiz do TC, mesmo os
cooptados, se deveriam submeter a este exame.
Como é evidente, este exame parlamentar não deveria ser
restrito apenas aos candidatos ao TC, mas também aos candidatos aos principais
cargos públicos. Seria utilíssimo que pudéssemos conhecer o pensamento do
candidato a governador do Banco de Portugal (e eventualmente dos seus
vice-governadores), a presidente do IGCP, do INE, da RTP (deverá dar um
festival memorável, muito mais interessante do que os festivais da canção) e
muitos outros, incluindo outras empresas públicas.
Imagino dois benefícios principais deste exame parlamentar
nos casos de cargos públicos, para além do TC. Em primeiríssimo lugar, a
eliminação prévia dos “boys” para além de medíocres, que se recusariam a ser
publicamente trucidados por uma comissão parlamentar particularmente exigente.
Também é provável que “boys” meramente medíocres fossem chumbados, retirando
parte substancial do atractivo actual desta “qualificação”.
Em segundo lugar, pela pressão que isso colocaria na escolha
dos deputados, que deixariam de poder ser escolhidos pelos mais misteriosos
critérios, para passarem a ter que ser pessoas (muito) mais qualificadas do que
hoje em dia.
[Publicado no Observador]
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