quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Do governo dos juízes

Segundo o Público de hoje, capa e p. 37, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto “decidiu dar provimento a uma providência cautelar e anular a passagem para a situação de supranumerários a mais de 60 funcionários” do Ministério da Agricultura. O Tribunal entendeu que sem aceitação dessa providência os funcionários enfrentariam “uma situação de prejuízo difícil ou impossível reparação e/ou facto consumado”.

Como é que ir para o regime de mobilidade especial pode ser uma situação de “impossível reparação”? Então e perder uma perna num acidente de trabalho seria o quê? “Facto consumado”? Mas a situação de mobilidade especial não é, por definição, transitória?

Para além disto essa situação, ainda de acordo com o Tribunal, pode provocar um “forte abalo anímico decorrente da sua inclusão na lista de mobilidade especial”, “esvaziamento das suas funções profissionais” e uma “diminuição dos seus vencimentos”. Reparem como estas objecções se podem aplicar a todo e qualquer trabalhador que vá para a mobilidade especial. Parece então que o Tribunal deveria concluir que o próprio regime de mobilidade especial é ilegal. Mas desrespeita que lei? Reparem que o Tribunal parece estar a dizer é “ir para a mobilidade especial é doloroso, por isso eu impeço”. Repare-se a ausência de argumentação jurídica. Se houvesse uma lei que dissesse que é proibido o Estado executar a menor acção que perturbe os cidadãos… Em breve teríamos uma situação esquizofrénica, porque ao não perturbar uns está a perturbar outros.

Reparem ainda como esta argumentação se aplica que nem uma luva a uma situação de despedimento qualquer, acto muito mais gravoso do que a mobilidade especial. Por maioria de razão se proibiriam os despedimentos…

Parece que estamos perante mais um caso em que os Tribunais estão a desrespeitar o princípio da separação de poderes, consagrado no artigo 111º da nossa Constituição.

Para além disso, esta intervenção insere-se num movimento de infantilização dos cidadãos, em que se transmite a ideia que o Estado pode resolver tudo, remover todas as incertezas, criar uma ficção de segurança, mas que não pode existir porque a vida não é assim. Sobre este tema ver Nanny State no Cachimbo de Magritte.

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