Durante muitos anos o Banco de Portugal (BdP) cresceu em reputação. Falando só dos mais recentes, o peso da estabilização macroeconómica que recaiu na política monetária, quando a política orçamental estava longe de fazer o seu papel, deu-lhe uma grande importância. A dificuldade de lidar com a liberalização dos movimentos de capital foi outro elemento a obrigar a uma elevada qualidade na sua gestão. E o Banco foi crescendo em termos técnicos, com um Departamento de Estudos da mais elevada qualidade.
Mas o governador António de Sousa (1994-2000) ficou demasiado calado perante o desvario orçamental do guterrismo. Digo “demasiado”, porque internamente as críticas eram fortíssimas – tive várias reuniões com os técnicos nesse período. Veja-se ainda o Relatório Anual do BdP de 1998, p. 26: “As condições de política económica [deviam ser mais explícitos e dizer política orçamental] constituíram um estímulo adicional, ampliando a resposta à mudança de regime económico.” Se houvesse independência este “estímulo adicional” deveria ser altamente criticado, porque vai contra tudo o que se recomenda. A política económica deve ser anti-cíclica: se a economia está a acelerar a política económica deve contrariar esse estímulo e NUNCA ser um estímulo adicional.
Constâncio, governador desde Fevereiro de 2000, apesar de começar por dizer que estava tudo bem, pouco depois acordou e começou a falar no problema orçamental. O Relatório de 1999, publicado já sob a sua chancela, começa a criticar a política orçamental, mas ainda timidamente. p. 27: “cabem à política orçamental portuguesa dois papéis cruciais. Por um lado a sua orientação cíclica deverá ser ajustada (…) por forma a se conseguir uma combinação correcta de políticas, evitando que a flutuação cíclica da economia portuguesa seja exacerbada.” Agora já não há medo de chamar o boi pelo nome e critica-se brandamente (“deverá ser ajustada”) a natureza pró-cíclica que a política orçamental tinha.
Por esta altura, Guterres quando lhe mostraram um programa de emagrecimento orçamental terá dito: “isso é para a direita fazer”. E, com a desculpa do desapego ao poder (a piada do século!), foi-se embora. Constâncio até deu apoio ao novo governo, saído das eleições de 2002, no combate ao défice orçamental. O pecado capital veio em 2005, com a farsa do défice de 6,82%. A sua re-nomeação para governador estava para breve… Este défice de 6,82% nunca existiu e foi calculado como se existisse 0% de cativação das despesas aprovadas, o que é absurdo. Como toda a despesa necessita de ser aprovada pela AR, o comum é pedir-se autorização para realizar mais despesa do que se pensa inicialmente realizar, ficando essa despesa extra “cativada”, isto é, proibida de realização. À medida que a execução orçamental se vai realizando, vê-se se a margem para descativações e só nesse caso elas são autorizadas. Logo, o exercício que Constâncio fez era totalmente destituído de sentido económico, mas com o sentido político de vender a necessidade de aumentar impostos e restringir gastos.
Durante algum tempo até não se notou muito, mas agora são cada vez mais frequentes as referências ao governador como “apparatchik socialista”, como por exemplo o editorial de hoje do Público.
Penso que estamos com um problema de independência no BdP. Olhando para trás, parece que se devem mudar os estatutos e atribuir um mandato mais longo ao governador, mas não renovável. Isso resolveria o problema que tivemos com Constâncio, mas não o problema com António de Sousa. Nesse caso o seu “bom comportamento” foi premiado não com a re-nomeação, mas com a presidência da CGD.
Provavelmente nunca se achará uma solução ideal. Definitivamente, temos um problema de falta de independência da sociedade portuguesa. Poderíamos dizer que em grande parte ele adviria das nacionalizações, o que fez que todos os principais gestores tivessem necessariamente uma ligação ao Estado/partidos e, nessa geração, praticamente não haveria alternativa.
Mas o recente e tristíssimo episódio do BCP (que também tem ajudado a escurecer a imagem de Constâncio) veio revelar que o problema é muito mais extenso do que gostaríamos de reconhecer…
terça-feira, 15 de janeiro de 2008
Da independência do Banco de Portugal
Etiquetas:
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