sábado, 16 de janeiro de 2021

Perspectivas para 2021

 

Num panorama apenas moderadamente positivo, Portugal deverá destacar-se pela negativa, por três razões: pela debilidade e erros nas finanças públicas; pela exposição a Espanha; e pelo peso do turismo.

 

Os pontos altos políticos (previsíveis) de 2021 deverão ser a tomada de posse do novo presidente dos EUA (a 20 de Janeiro) e as eleições legislativas alemãs (a 24 de Outubro), que deverão colocar um ponto final no longo consulado de Angela Merkel.

 

Em termos da pandemia em curso, ainda no final de 2020 foi conhecida uma variante do vírus, aparentemente mais contagiosa do que a versão conhecida, podendo novas estirpes surgir nos próximos meses. Para além disso, os planos de vacinação deverão prosseguir em grande expansão, mas não é de excluir que as limitações das novas vacinas se tornem palpáveis. É uma incógnita em que medida reacções adversas poderão receber publicidade, acabando por limitar o número de pessoas que se voluntaria para esta profilaxia.

 

Em termos económicos, quer nos EUA quer na zona euro, estão previstos substanciais estímulos orçamentais e monetários, que deverão auxiliar a recuperação. No caso da UE, haverá também lugar à despesa associada à “bazuca” de fundos. Mesmo assim, só deveremos assistir a uma retoma parcial da recessão de 2020.

 

Os sectores dos serviços e o do turismo em particular são aqueles que deverão ter maior dificuldade em recuperar, porque a sua quebra não resulta das razões habituais de quebra de procura durante as recessões (mas antes de medo de contágio), pelo que também terão menores condições de beneficiar das políticas que ajudam a economia.

 

Neste panorama, apenas moderadamente positivo, Portugal deverá destacar-se pela negativa, por três razões. Em primeiro lugar, porque as finanças públicas enfrentam a pandemia a partir de uma posição de fragilidade, decorrente dos erros que nos conduziram à “troika”, em 2011, e de escolhas bizarras posteriores, de que se destaca a semana das 35 horas, para a qual não temos nem economia nem contas públicas que a permitam.

 

Tal como no resto da UE, Portugal deverá beneficiar dos fundos europeus previstos, mas a falta de margem orçamental para os alavancar com fundos nacionais deverá limitar, em muito, o seu alcance. Para além de corrermos o risco elevado de os desperdiçarmos em projectos que apenas estimulam a economia no curto prazo e não aumentam o potencial de crescimento de médio e longo prazo.

 

Em segundo lugar, porque o nosso principal parceiro comercial, Espanha, teve uma das maiores recessões da zona euro e deverá ter uma retoma limitada.

 

Em terceiro lugar, porque o turismo ganhou um peso assinalável na economia nacional. Mesmo na previsão mais optimista, o próximo Verão ficará ainda abaixo do normal e é possível que ocorram vários problemas: que os mercados emissores não recuperem a confiança nas viagens; a incógnita dos desenvolvimentos pós-Brexit, cujo impacto sobre a cotação da libra poderá também dissuadir um dos nossos principais clientes; o plano de vacinas português poderá atrasar-se e poderá afastar turistas.

 

[Publicado no Jornal Económico]

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

BCE atento

O BCE prepara-se para financiar os défices públicos resultantes da pandemia e estará atento a novas dificuldades. 

Na sua reunião de 10 de Dezembro, o BCE anunciou a promessa de compra de mais 500 mil milhões de euros de títulos, o que totaliza 1,85 milhões de milhões de euros, por um período adicional de nove meses.

 

Este montante é semelhante ao de novos défices que os países da zona euro serão levados a ter, em resultado da pandemia, que decorrem de dois grupos de razões: porque a recessão diminuiu as receitas fiscais e aumentou as despesas sociais, os chamados “estabilizadores automáticos”; porque foram tomadas novas medidas, quer de combate às questões sanitárias, quer de apoio às famílias e empresas, quer outras destinadas a contrariar as tensões recessivas, designadas de “anti-cíclicas”, por terem a função de contrariarem a evolução do ciclo económico.

 

O BCE também reviu as suas previsões económicas, estimando um impacto um pouco mais profundo da segunda vaga da pandemia, e prevendo que a retoma seja mais forte em 2022 (crescimento do PIB de 4,2%) do que em 2021 (3,9%). Mesmo assim, a inflação prevista para 2023 (1,4%) ainda deverá continuar bastante longe do objectivo de próximo mas abaixo dos 2%. O leitor poderá pensar que a diferença não será muita, mas é necessário ter atenção que, considerando a lentidão com que se prevê que ela suba, ainda faltarão vários anos até ser alcançada, isto se for sequer possível atingi-lo, dada a incapacidade que o BCE tem revelado há demasiados anos a esta parte.

 

As decisões do BCE conduziram a uma significativa descida das taxas de juro, que, no geral, se traduzem numa redistribuição de rendimento, dos poupadores para os devedores. Para uma economia como a alemã, com níveis de poupança muito superiores aos de dívida, isto resulta numa perda significativa, que ainda poderá vir a ter consequências políticas. Para Portugal, passa-se o oposto, com os benefícios para os devedores, em particular o Estado português, a serem muito superiores às perdas incorridas pelos aforradores.

 

Ainda que o BCE não tenha falado explicitamente sobre isso, é importante salientar que estas novidades apresentam dois tipos de riscos para a banca portuguesa. Em primeiro lugar, taxas de juro muito baixas são más para a rentabilidade da banca, que deixa de beneficiar da habitual diferença entre não pagar juros pelos depósitos à ordem e emprestá-los com um juro “normal”. Quanto mais tempo durar este período de juros muito baixos (e mesmo negativos), maiores as dificuldades da banca. O segundo risco decorre do prolongamento da pandemia, que criará mais dificuldades às empresas, aumentando a probabilidade de não conseguirem honrar os créditos que solicitaram. Por isso, um eventual novo adiar do fim das moratórias poderá revelar-se uma surpresa bem desagradável.

 

Mas talvez o mais importante seja que o BCE reforçou a sua disponibilidade para responder a qualquer surpresa, sobretudo se for negativa.

 

[Publicado no Jornal Económico]

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Neo-proteccionismo?

A política comercial da UE tem exportado empregos e poluição e “importado” nacionalismos

A forma como não se prestou atenção aos subgrupos prejudicados pela última vaga de globalização, iniciada nos anos 80, gerou inúmeros descontentes, que estão actualmente a alimentar partidos nacionalistas e a gerar apelos ao proteccionismo, nas suas versões mais antigas.

Não se contestam as vantagens do comércio livre, que ajudaram a retirar centenas de milhões de pessoas da pobreza, em particular na China, mas sim a falta de cuidado com a forma como ela afectou e afecta os diferentes segmentos dos países avançados.

Para além da liberalização comercial, desde a primeira hora, que a UE tem estado na linha da frente das alterações climáticas, e das preocupações ambientais em geral, em particular no caso do Protocolo de Quioto, adoptado em 1997, com o objectivo de diminuir a emissão de gases com efeito de estufa.

No entanto, tem que se reconhecer que, em alguns aspectos, de forma deliberada ou não, o facto é que nem sempre isto tem resultado em acções coerentes. As exigências ambientais da UE foram uma das razões (não a única) por que muita produção industrial foi deslocalizada para paragens com menores exigências ambientais, em particular para a China, que se transformou na fábrica do mundo.  

Na verdade, o “bom” comportamento ambiental europeu não é tão bom como aparenta, já que a poluição que não é feita na UE é realizada noutros países, a que acresce a pegada ecológica do transporte, sobretudo quando é feito do outro lado do mundo. Na verdade, podemos estimar que o efeito sobre os gases estufa é triplamente negativo devido a esta deslocalização: 1) porque a produção industrial na Europa é energeticamente mais eficiente (gasta-se menos energia para produzir o mesmo bem); 2) porque a produção de energia na UE tem um maior peso das renováveis; 3) porque a ela se somam as emissões que decorrem do transporte de longo curso.

Podemos ficar muito contentes com as exigências ambientais que impomos aos produtores europeus, mas a verdade é que, como consumidores, que é o que verdadeiramente conta, somos muito mais poluidores do que queremos admitir.

Neste momento, fala-se em novo aumento das exigências ambientais na UE, o que pode deixar-nos muito bem na fotografia, mas sem que isso seja, em última análise, verdade. Corremos o risco de perder empregos e, em simultâneo, contribuir para agravar a poluição a nível mundial. Para além da questão política, extremamente grave, de estar a alimentar os extremismos políticos.

Por isso, impõe-se algum tipo de consideração em relação às importações com origem em países com regras ambientais muito menos exigentes do que a UE. Não se trata de inventar pretextos espúrios para mascarar um novo proteccionismo, para promover a reindustrialização europeia, mas antes de corrigir uma evidente incoerência das actuais políticas, que são, em última análise, inimigas do ambiente.

 

[Publicado no Jornal Económico]

sábado, 21 de novembro de 2020

BCE deveria arriscar por excesso

 O BCE deveria ser mais ousado e mais rápido nas medidas de apoio à economia, porque, na actual conjuntura, é preferível arriscar por excesso do que por defeito.

Dada a excepcional incerteza do período que vivemos, é muito difícil para um banco central actuar na medida correcta. Por isso, pode-se dizer, antecipadamente, que o BCE vai errar. Só que, na actual conjuntura, é mil vezes preferível errar por excesso do que por defeito.

Em geral, as políticas de estabilização têm desfasamentos, de dois tipos. O chamado desfasamento interno, entre a tomada de consciência de um problema e as medidas de política; e o desfasamento externo, entre a aplicação das medidas e as suas consequências práticas. Normalmente, a política orçamental tem um desfasamento interno longo, em que as medidas precisam de aprovação parlamentar e de aguardar pela entrada em vigor de nova lei, o que demora o seu tempo; já o segundo desfasamento é curto, dado que, uma vez em vigor, começa logo a produzir efeitos. É evidente que, em períodos excepcionais, como o que vivemos, a política orçamental também pode ser muito mais rápida, e foi isso que se verificou em alguns países, mas não em Portugal, onde se registou um atraso incompreensível.

Na política monetária, os desfasamentos têm uma duração inversa. Um banco central consegue tomar medidas no próprio dia em que surge uma novidade; mas a sua transmissão à economia é especialmente lenta: demora três a quatro trimestres a ter efeito sobre o PIB e seis a oito trimestres a ter impacto sobre a inflação.

Por isso, é incompreensível o argumento que se tem ouvido ao BCE, de querer esperar para aferir da verdadeira situação da condição económica na zona euro. A situação é muito má, que diferença faz se a recessão em 2020 será de 8% ou de 12%? Qualquer medida do BCE chegará sempre tarde.

Se o BCE agir por defeito, teremos uma retoma mais lenta, mais desemprego, menor crescimento económico, maior risco de inflação negativa, maiores problemas nas contas públicas.

Dada a escassez de instrumentos eficazes à disposição do BCE é muito difícil de conceber que a sua acção possa ser por excesso, mas vamos admitir que ocorreria essa situação. Neste caso, teríamos uma retoma mais rápida, menos desemprego, maior crescimento económico, risco de inflação acima dos 2%, menores problemas nas contas públicas.

Dado que, nos últimos anos, com forte crescimento económico e desemprego em clara queda, o BCE nunca conseguiu que a inflação subisse para valores próximos da sua meta de “próxima mas abaixo dos 2%”, tem que se reconhecer que, na actual conjuntura, o risco da inflação superar os 2% é praticamente nulo. Ainda assim, admitamos que, por um improvável acaso, esse fenómeno ocorria. Então, o BCE teria todos os instrumentos do mundo para fazer baixar a inflação: inverter a expansão quantitativa, subir as taxas de juro, etc. Ou seja, mesmo que o improvável problema ocorresse, ele seria facílimo de corrigir.                                                                                                                       

Em resumo, o BCE não deve esperar e deve usar todos os instrumentos ao seu alcance para acelerar a retoma, mesmo correndo o risco de agir por excesso.

[Publicado no Jornal Económico]

domingo, 1 de setembro de 2019

Um testemunho, Stefan Zweig (1881-1942)



A cativante autobiografia do escritor Stefan Zweig (1881-1942) lança alguma luz sobre o que precedeu a Segunda Guerra Mundial.

Stefan Zweig (1881-1942) era um escritor, pacifista, judeu e austríaco, que conheceu grande popularidade entre as duas guerras. Deixou um registo autobiográfico O mundo de ontem. Recordações de um europeu, no ano do seu suicídio (Lisboa, Assírio & Alvim, 2017), de que vou aproveitar algumas passagens para assinalar os 80 anos do início da Segunda Guerra Mundial.

Considerava-se parte de uma geração “sobrecarregada pelo destino” (p. 11), que sofreu “a maior de todas as pragas, o nacionalismo que envenenou a flor da nossa cultura europeia” (p. 14).

Nasceu num “período áureo de segurança” (p. 18), quando a “a tolerância não era desprezada como sinal de moleza e de fraqueza, mas sim celebrada enquanto força moral” (p. 45).

Na verdade, encontravam-se já então raízes do futuro, como Karl Lueger, presidente da Câmara de Viena entre 1897 e 1910, “modelo de Hitler” no antissemitismo (p. 87).

Em 1896, Theodor Herzl (1860-1904), amigo de Zweig, publicou O Estado Judaico, onde advogava a edificação de uma pátria nova, na Palestina. O relato do seu funeral (pp. 136-137) é das passagens mais emocionantes do livro.

Nele desfilam os nomes maiores das artes da época, amigos do autor, tais como Rainer Maria Rilke (1875-1926), que lhe confidenciou: “Cansam-me as pessoas que cospem as suas emoções como se fossem sangue.” (p. 174).

Em visita à Índia, “presenciei pela primeira a loucura da pureza da raça” (p. 219).

Nas vésperas da I Guerra Mundial, “acreditar credulamente que o bom senso seria capaz de, na última hora, parar a loucura, foi, ao mesmo tempo, a nossa única culpa” (p. 237). No início do conflito, houve “um entusiasmo repentino”, “eram parte do mesmo todo”, “desconhecidos falavam-se na rua” (p. 263). “ ‘No Natal já estaremos em casa’, gritavam os recrutas às suas mães, a rir” (p. 266).

Zweig empenhou-se em escrever contra a guerra, “Pois o que felizmente distinguiu a Primeira da Segunda Guerra Mundial foi existir ainda o poder da palavra”, ainda não destruída pela “propaganda” (p. 283).

Com a escassez do pós-guerra, deparou-se “com os olhos amarelos e perigosos da fome” (p. 338), diz-nos que se comiam cães e gatos. “É necessário lembrar e relembrar que nada tornou o povo alemão tão amargurado, tão cheio de ódio, tão pronto para Hitler, como a inflação.” (p. 367).

Em 1933, “revelou-se pela primeira vez em grande estilo a técnica cinicamente genial de Hitler: (…) fazer alianças, sob juramento e invocando a lealdade alemã, exactamente com aqueles que queria aniquilar e exterminar” (p. 422).

Em 1934, quatro anos antes da “desumanidade desencadeada nesse 13 de Março de 1938” (p. 471, anexação da Áustria pela Alemanha) após uma busca domiciliária, “comecei a empacotar os meus documentos mais importantes” (p. 452) e emigrou para Inglaterra. Depois daquilo, “o valor da vida humana caiu mais a pique do que o valor da moeda” (p. 471).

Hoje, a memória de Chamberlain está muito enegrecida, mas quando chegou a notícia de que Hitler tinha acedido ao pedido daquele, de se encontrar em qualquer ponto da Alemanha, os “deputados saltaram dos seus lugares, gritando e aplaudindo, o júbilo ressoou nas galerias” (p. 482). Quando Chamberlain regressou, as pessoas em geral exultavam.

Entretanto, Zweig emigrou para o Brasil, onde viria a morrer num pacto de suicídio com a mulher, em 1942. Na sua carta de despedida, diz: “Depois de 60 anos são necessárias forças incomuns para começar tudo de novo. Aquelas que possuo foram exauridas nestes longos anos de desamparadas peregrinações.”

[Publicado na CapitalMagazine]

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Prenúncio das legislativas


Em Outubro, o parlamento deve tornar-se mais cacofónico e, com uma provável geometria variável das coligações do PS, deve também tornar-se um foco mais importante do regime.

Os resultados das eleições europeias trouxeram algumas surpresas, a maior das quais foi a forte subida do PAN, o que significa que, a partir de Outubro, o PS tem mais um potencial parceiro a quem se aliar, afastando-o ainda mais da fórmula actual.

O BE subiu, mas teve uma votação inferior à das legislativas, enquanto o PC teve uma forte queda. A direita tradicional teve um mau resultado, provavelmente castigada pelo desastre na condução do dossier dos professores, enquanto a nova direita se pulverizou.

Vou extrapolar os actuais resultados para as eleições de Outubro, admitindo como razoável que a maior participação então não afectará as posições relativas, o que pressupõe que os votos nos novos partidos não estão associados a nenhuma nova militância, mas antes a uma inclinação geral do eleitorado.

Estou particularmente interessado nestes novos partidos, na medida em que possam mudar muito o nosso parlamento, à semelhança do que o PAN fez, com os surpreendentes resultados agora verificados.

Em Lisboa, teríamos um deputado da Aliança, do Livre (finalmente!) e do Basta. Para meu grande desgosto, com apenas 1,3% dos votos, a Iniciativa Liberal (IL) não seria capaz de eleger ninguém, demasiado longe do mínimo de 2,1% para tal. Nos outros distritos, nenhum destes partidos parece capaz de eleger representantes.

Com mais três partidos, o parlamento deve tornar-se mais cacofónico e, com uma provável geometria variável das coligações do PS, deve também tornar-se um foco mais importante do regime.

Como é evidente, daqui até Outubro muita coisa pode mudar. Em primeiro lugar, a conjuntura internacional, com o potencial agravar da guerra comercial no seu início; um desfecho menos feliz do Brexit; uma Europa a sofrer com os resultados destas europeias, em que os partidos do centro, pela primeira vez, representam menos de metade do parlamento europeu.

Uma desaceleração económica tem, geralmente, consequências eleitorais, e orçamento de 2019 está baseado num crescimento económico que era, à partida, irrealista, pelo que o aumento de cativações pode agravar a já deteriorada imagem dos serviços públicos.

Como dizia um primeiro-ministro britânico, a política são também os “casos”, e daqui até ao Outono teremos certamente vários e alguns poderão virar a mesa de forma actualmente inesperada. 

Para além disso, espera-se que os novos partidos continuem a difundir as suas mensagens, influenciando as suas hipóteses eleitorais em Outubro.

Exorto a IL a pegar em três temas, que tem negligenciado: o ambiente, a habitação e a corrupção. O sucesso do PAN e da Greta Thunberg são sinal evidente da apetência do eleitorado pelo tema e a respostas liberais são muito mais interessantes e realistas do que as daqueles protagonistas.

Quanto à habitação, preocupa sobremaneira os habitantes dos distritos de Lisboa e Porto, onde a IL tem mais hipótese de eleger deputados. Já escrevi aqui a propor soluções e o Victor Reis também já demoliu a anunciada Lei de Bases da Habitação.

Em relação à corrupção, há uma indignação generalizada pela extraordinária impunidade vigente, supremamente simbolizada por Joe Berardo e não só. Os partidos do regime, quase todos com rabos de palha, não são capazes de ter um discurso forte e coerente sobre o tema, mas a IL tem a obrigação de o fazer.

[Publicado na Capital Magazine]

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Uma boa revisão dos benefícios fiscais?


Há dois erros em curso: não ouvir a sociedade civil e basear a revisão num documento oficial com demasiados erros

Em Junho, devemos conhecer uma proposta de revisão dos benefícios fiscais. Espera-se que o objectivo desta revisão não seja apenas a simplificação e a redução da perda de receita a que estão associados.

Convinha que se tivesse presente os problemas mais graves da economia portuguesa, que requerem solução:

1.      Aumentar o crescimento económico. Se continuarmos a crescer três décimas acima da média europeia, precisamos de 87 anos para atingir o nível médio de rendimento europeu. Muito antes disse seríamos o país mais pobre da UE.
2.      Aumentar a poupança, quer privada quer pública.
3.      Aumentar o investimento. Durante demasiados anos foi inferior ao necessário para compensar o desgaste de material.
4.      Atrair muito mais Investimento Directo Estrangeiro. Temos demasiada dívida externa, quase toda financeira, que é extremamente vulnerável. Estes investidores pedem IRC mais baixo e estabilidade fiscal.

Por tudo isto, era essencial que na revisão dos benefícios fiscais o governo ouvisse a sociedade civil e os potenciais investidores estrangeiros, em particular as principais câmaras de comércio.

Infelizmente, parece que o trabalho está a ser feito em circuito fechado, com a agravante de o documento de base ao “custo” dos benefícios fiscais, conhecido por despesa fiscal, conter erros graves.

Diz este relatório: “Seguindo a prática generalizada entre os Estados-Membros da OCDE, o método de quantificação e estimativa da despesa fiscal adotado no presente relatório é o da receita cessante.” (p. 10). Este método é dos mais simples, mas é preciso ter consciência das suas fortes limitações, nomeadamente o não prever alteração nas acções dos agentes económicos, com e sem benefício fiscal.

Despesa fiscal por imposto, 2017

Imposto
Milhões de euros
%
Total
12017,7
100,0%
IVA
7442,7
61,9%
Imposto de selo
1082,2
9,0%
IRS
972,2
8,1%
IRC
855,2
7,1%
IMI
442,9
3,7%
ISP
394,3
3,3%
Imposto sobre veículos
327,7
2,7%
Álcool
151,2
1,3%
Outros
349,3
2,9%
Fonte: Despesa fiscal, 2017, p. 4.

Começamos por ficar muito admirados com o montante da despesa fiscal total, mais de 12 mil milhões de euros, 6,2% do PIB. Quer dizer que se eliminássemos todos os benefícios fiscais passávamos a ter um superavit orçamental de 6% do PIB? Claro que não, porque estes valores não são minimamente confiáveis.

Comecemos pelo IVA, responsável por mais de 60% desta “perda” de receita. Este valor absurdo é calculado presumindo que, se o IVA fosse de 23% em todos os produtos, os consumidores comprariam exactamente a mesma quantidade que consomem com as taxas de 6% e 13%. Onde é que as pessoas iam inventar rendimento para pagar mais esta barbaridade de impostos? É evidente que não iam, simplesmente seriam forçadas a reduzir drasticamente o consumo.

Não vou falar sobre os outros impostos, até porque a informação fornecida é mínima, pouco permitindo perceber como se chega a estes valores, que não fazem qualquer sentido. Só um outro alerta: alguém acredita que se pagássemos muito mais impostos passaríamos a ter um PIB 6% superior ao actual?

Vou só dar um exemplo extremo, que não estou seguro que se aplique à zona franca da Madeira. Imaginem que, para atrair investimento directo estrangeiro, é necessário criar um benefício fiscal igual ao vigente em Espanha, sob pena de ser impossível atrair um único euro de investimento. À conta deste benefício, entram centenas de milhões de investimento, que a administração fiscal, com aquele método estima que represente dezenas de milhões de despesa fiscal a par de outras dezenas de receita fiscal. Alguém poderá ser tentado a acabar com este benefício fiscal, porque “custa” muito dinheiro, o que não é verdade, porque este benefício gera nova receita fiscal que, sem ele, pura e simplesmente não existiria.

Ou seja, estamos não só em presença de uma sobre-estimação absurda da despesa fiscal, como podemos estar em risco de acabar com benefícios fiscais cujo impacto final será uma perda de receita fiscal, o oposto do que se pretende.

Sem ouvir a sociedade civil e partindo de um documento com tantos erros, a probabilidade de tal acontecer é muito elevada.

[Publicado no jornal online ECO]

segunda-feira, 20 de maio de 2019

A uniformização europeia é má e perigosa


A uniformização europeia está a alimentar o risco de desintegração da UE

Parece que a maioria já esqueceu que os principais objectivos da construção europeia eram: a paz e a contenção da Alemanha. As questões económicas, sendo importantes, não eram as principais.

A meio do processo, isto foi esquecido e embarcou-se num processo de uniformização sem sentido, que gerou graves riscos, que agora presenciamos. Esta uniformização tem inspiração no detestável centralismo francês, tentando impor as mesmas regras a um espaço cada vez maior e mais heterogéneo.

O Brexit tem, certamente, muitas raízes, mas uma delas tem a ver com a introdução do euro. Alguns já não se lembrarão, mas a versão inicial do tratado de Maastricht previa que os Estados-Membros que respeitassem os chamados “critérios de Maastricht” eram obrigados a aderir ao euro. Reparem na loucura: se respeitarem uns critérios tecnocráticos perdem automaticamente a soberania monetária.

Os ingleses revoltaram-se contra este absurdo, mas tiveram que lutar muito para se livrarem deste abuso. Eles, com o seu respeito pela liberdade, não eram contrários a que se criasse o euro, apenas eram contra o serem obrigados, contra a sua vontade, a aderir quase automaticamente à moeda única. É verdade que conseguiram uma cláusula de excepção, mas só o facto de isso não ser óbvio e terem que lutar tanto para obter o que seria evidente deve ter constituído uma forte vacina contra a UE.

Mais genericamente, em países federais, os Estados que os compõem, que não são independentes, têm mais liberdade do que os Estados-Membros da UE, o que é absurdo. Em particular, nos EUA, há Estados com impostos diferenciados, com legislação diferente, etc., etc.

Esta pulsão para a uniformização dentro da UE ainda se tornou mais tresloucada com o alargamento de 2004, que aumentou imenso a heterogeneidade da união. Se já antes, a igualização era perniciosa, ela agora ficou ainda mais perigosa. Faz algum sentido tentar impor as mesmas regras à Suécia e à Bulgária, em estados de desenvolvimento tão diferentes?

O problema principal desta uniformização é que, dado que a UE é um pacote grande, do qual muito pouco se pode escolher, há muitos países que foram obrigados a aceitar partes que não gostavam, o que tem gerado os anti-corpos a que temos assistido. Uma Europa “à la carte” poderia ter evitado muitos dos actuais problemas. Não se fez isso no passado, o que agora não se pode mudar, mas essa devia ser a regra futura, para obviar aos riscos crescentes de desintegração que se vêem por tantos lados e que se deverão materializar nas eleições de Domingo. Veremos se os políticos europeus aprendem alguma lição com os resultados eleitorais. 

[Publicado na Capital Magazine]

segunda-feira, 13 de maio de 2019

O risco da queda da biodiversidade na agricultura

A queda da biodiversidade na alimentação e agricultura pode criar um colapso na produção de alimentos num futuro não muito longínquo.

A FAO divulgou, em Fevereiro, o primeiro relatório sobre o Estado da biodiversidade na alimentação e agricultura no mundo, que traça um cenário preocupante.

As conclusões principais são as seguintes:

“1. A biodiversidade na alimentação e na agricultura é indispensável para a segurança alimentar, o desenvolvimento sustentável e muitos serviços vitais dos ecossistemas.

“2. Apesar de muitas mudanças estarem a ter impactos negativos na biodiversidade na alimentação e na agricultura, algumas apresentam oportunidades de promover uma gestão mais sustentável.

“3. A biodiversidade na alimentação e na agricultura está em declínio.

“4. A utilização de práticas amigas da biodiversidade está a aumentar.

“5. O actual enquadramento para a sustentabilidade da biodiversidade na alimentação e na agricultura é insuficiente.

“O que precisa de ser feito é melhorar o conhecimento do papel da biodiversidade nos processos ecológicos da alimentação e agricultura, e usar esse conhecimento para desenvolver estratégias de gestão que protegem, restauram e melhoram estes processos.” (minha tradução).


Esta falta de biodiversidade constitui um risco gravíssimo, porque qualquer doença pode ter um efeito devastador na produção e colocar em causa a alimentação da humanidade.

As implicações disto para a Política Agrícola Comum (PAC) são bastante óbvias. É necessário substituir os subsídios à produção por subsídios à biodiversidade e Portugal estará numa posição privilegiada para aproveitar isto.

Mais genericamente, o orçamento comunitário precisa de ser profundamente revisto, com uma forte redução no peso da PAC, quase metade do total, e aumento da componente destinada a investigação e desenvolvimento. É muitíssimo mais útil encaminhar verbas para o progresso tecnológico, sobretudo na área das energias renováveis, para, numa abordagem mais global, aumentarmos a sustentabilidade do nosso modo de vida.  

[Publicado na Capital Magazine]

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Conjuntura de greves

Há muitas razões para virmos a ter mais greves, mas uma delas tem sido esquecida: a descida da taxa de desemprego.

Há várias razões para esperar um aumento da contestação laboral e do seu caso limite, as greves.

Desde logo é importante distinguir entre o sector público e o sector privado. No público, o problema principal reside no flagrante contraste entre o discurso do fim da austeridade e a realidade da sua continuação no terreno, sob a nova designação de “cativações”. Tivemos mesmo este caso flagrante da manutenção da austeridade nos salários dos professores, que a direita, em vez de sublinhar e usar isso como prova de que a austeridade foi sempre necessária e nunca um capricho, desastrosamente tentou anular. Pode dar agora todas as explicações, mas falhou politicamente em toda a linha.

A isto acrescentam-se dois factores. O primeiro é que, contra tudo o que é recomendado, este governo distribuiu as benesses no início do mandato e agora já não tem (quase) nada para oferecer. Em segundo lugar, a economia europeia e portuguesa deverão ter, em 2019, o pior crescimento dos últimos quatro anos, pelo que a margem orçamental é agora mínima.

No sector privado, as razões são diferentes. Em primeiro lugar, a estagnação da produtividade nos últimos anos, a somar ao aumento de impostos exigido pelo desgoverno herdado de Sócrates, tem conduzido a uma estagnação salarial profunda, com excepção dos salários mais baixos, devido à subida do salário mínimo. A substituição de impostos directos por indirectos tem impedido de aumentar o poder de compra dos trabalhadores, que só parcialmente estão a ser iludidos por esta estratégia do executivo de tirar com uma mão o que dá com a outra.

Mas o que está a fazer a diferença é a redução da taxa de desemprego para níveis da chamada “taxa natural de desemprego” (estimada entre 6% e 7% em Portugal). Isto significa que as empresas estão com dificuldade crescente em conseguir mão-de-obra com as qualificações necessárias (não necessariamente elevadas, apenas adequadas).

O resultado prático é que os trabalhadores estão agora na mó de cima, com o máximo de poder negocial. É, assim, a coisa mais natural deste mundo que aproveitem isso e lutem pelos aumentos salariais que não conseguiram há, pelo menos, dez anos. Resta saber, sobretudo nos casos das empresas que concorrem nos mercados internacionais, se haverá margem para acolher estas reivindicações.

Em suma, por razões diferentes, quer no sector público quer no privado, é de esperar uma forte agitação laboral, pelo menos até às eleições legislativas.

Não devemos ficar surpreendidos pela emergência de novos sindicatos e novas formas de luta, face à falência de centrais sindicais, cuja agenda subjuga os interesses laborais aos partidários, servindo muito mal os seus associados.

Isso deverá levar a rever uma lei da greve, totalmente desactualizada das actuais condições do mercado de trabalho e a actual maioria de esquerda está numa posição privilegiada para o fazer.

A direita escusa de espernear, porque isto é um caso típico conhecido na ciência política como “Nixon vai à China”. Só um político conservador como Nixon, com as mais altas credenciais anti-comunistas, poderia estabelecer relações diplomáticas com a China, em 1972, sem suscitar críticas. Em Portugal, também só a esquerda está em condições de rever a lei da greve. Espera-se (sem grande esperança, diga-se) é que esta revisão tenha em atenção as preocupações das empresas e dos consumidores e não apenas as preocupações do actual governo com o sector público.

[Publicado na Capital Magazine]