O BCE prepara-se para financiar os défices públicos resultantes da pandemia e estará atento a novas dificuldades.
Na sua reunião de 10 de Dezembro, o BCE anunciou a promessa
de compra de mais 500 mil milhões de euros de títulos, o que totaliza 1,85
milhões de milhões de euros, por um período adicional de nove meses.
Este montante é semelhante ao de novos défices que os países
da zona euro serão levados a ter, em resultado da pandemia, que decorrem de
dois grupos de razões: porque a recessão diminuiu as receitas fiscais e
aumentou as despesas sociais, os chamados “estabilizadores automáticos”; porque
foram tomadas novas medidas, quer de combate às questões sanitárias, quer de
apoio às famílias e empresas, quer outras destinadas a contrariar as tensões
recessivas, designadas de “anti-cíclicas”, por terem a função de contrariarem a
evolução do ciclo económico.
O BCE também reviu as suas previsões económicas, estimando
um impacto um pouco mais profundo da segunda vaga da pandemia, e prevendo que a
retoma seja mais forte em 2022 (crescimento do PIB de 4,2%) do que em 2021
(3,9%). Mesmo assim, a inflação prevista para 2023 (1,4%) ainda deverá
continuar bastante longe do objectivo de próximo mas abaixo dos 2%. O leitor
poderá pensar que a diferença não será muita, mas é necessário ter atenção que,
considerando a lentidão com que se prevê que ela suba, ainda faltarão vários
anos até ser alcançada, isto se for sequer possível atingi-lo, dada a
incapacidade que o BCE tem revelado há demasiados anos a esta parte.
As decisões do BCE conduziram a uma significativa descida
das taxas de juro, que, no geral, se traduzem numa redistribuição de
rendimento, dos poupadores para os devedores. Para uma economia como a alemã,
com níveis de poupança muito superiores aos de dívida, isto resulta numa perda
significativa, que ainda poderá vir a ter consequências políticas. Para
Portugal, passa-se o oposto, com os benefícios para os devedores, em particular
o Estado português, a serem muito superiores às perdas incorridas pelos
aforradores.
Ainda que o BCE não tenha falado explicitamente sobre isso,
é importante salientar que estas novidades apresentam dois tipos de riscos para
a banca portuguesa. Em primeiro lugar, taxas de juro muito baixas são más para
a rentabilidade da banca, que deixa de beneficiar da habitual diferença entre
não pagar juros pelos depósitos à ordem e emprestá-los com um juro “normal”.
Quanto mais tempo durar este período de juros muito baixos (e mesmo negativos),
maiores as dificuldades da banca. O segundo risco decorre do prolongamento da
pandemia, que criará mais dificuldades às empresas, aumentando a probabilidade
de não conseguirem honrar os créditos que solicitaram. Por isso, um eventual
novo adiar do fim das moratórias poderá revelar-se uma surpresa bem
desagradável.
Mas talvez o mais importante seja que o BCE reforçou a sua
disponibilidade para responder a qualquer surpresa, sobretudo se for negativa.
[Publicado no Jornal Económico]
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