As graves acusações
contra Pinto Monteiro precisam urgentemente de ser investigadas
Nos últimos tempos, sobretudo após a mudança das primeiras
figuras do sector, têm-se notado algumas mudanças na justiça.
Durante imensos anos, os portugueses não confiavam na
justiça, porque esta era insuportavelmente morosa. Mas, a partir de certa altura,
o foco da desconfiança mudou, porque passou a haver demasiados casos altamente
suspeitos, que eram tratados com uma displicência desconcertante, que impedia
de acreditar na isenção da justiça.
O centro comercial Freeport foi aprovado num local onde
anteriormente tinha sido proibido um cemitério, com o argumento de que este
atrairia demasiado tráfego. No entanto, o ministro do ambiente que ocupava o
cargo quando essa espantosa autorização foi concedida quase não foi ouvido.
Aliás, em relação a este caso, sabemos que dois magistrados
foram pressionados para não incomodar Sócrates e quem exerceu a pressão foi
alvo de uma sanção disciplinar levíssima, quando deveria ter sido pura e
simplesmente expulso do ministério público.
Também houve o estranhíssimo caso dos submarinos, em que
houve culpados na Alemanha e que, num processo análogo, conduziram à prisão de
um ex-ministro da Defesa na Grécia. Em Portugal, tivemos o vergonhoso
arquivamento do processo por prescrição, que é sempre a situação mais
escandalosa de todas.
Assistimos – indignadíssimos – a Cândida Almeida a declarar
a uma televisão que um processo contra Sócrates foi arquivado, porque não foi
paga uma taxa de justiça. Como é que algo de inimaginável como isto é sequer
possível, quanto mais regular? Para além de termos sido insultados por esta
mesma senhora, a dizer que não havia corrupção em Portugal.
Até que, muito recentemente, as coisas parece que começaram
a mudar. Temos visto vários altos dirigentes públicos serem presos e agora até
já temos um ex-primeiro-ministro preso, ainda que ainda em prisão preventiva e
sem conhecer a acusação. Este último aspecto é altamente deplorável, porque não
é admissível que alguém esteja preso durante vários meses sem conhecer, pelo
menos, parte da acusação que justifica uma tal medida de coacção.
Infelizmente, ainda não estamos seguros que isto seja uma
mudança e não uma mera alteração de protagonista, que poderá não durar. O juiz
Carlos Alexandre já recebeu uma ameaça, uma pistola em cima de uma fotografia
dos filhos, e esta semana teve o seu cão morto por envenenamento. Dois
comentários breves: é evidente que isto não foi feito a mando de um inocente,
mas de alguém que arrisca uma pena muito pesada e com ligações muito perigosas;
é óbvia a necessidade de aumentar a segurança deste juiz e da sua família.
Finalmente, esta semana, ouvimos o novo presidente do
Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, acusar o
antigo procurador-geral da República, Pinto Monteiro, de impedir investigações
aos mais poderosos.
Esta acusação é, simultaneamente, extremamente grave e
altamente verosímil. Só para os mais esquecidos, ainda há poucos meses, Pinto
Monteiro teve o desplante de dizer que o almoço que teve com Sócrates pouco
dias antes da prisão deste foi uma “coincidência”.
Perante esta fortíssima acusação, o ex-PGR já veio dizer que
isto são “falsidades absolutas” e que prefere não “alimentar” o assunto. Esta
reacção é inadmissível, porque Pinto Monteiro não pode permitir que se manche
assim a reputação da instituição que liderou. A suspeita que se instala é que
tem medo de “alimentar” algo que lhe pode ser altamente prejudicial.
Quem não precisa de andar em flutuações de estados de alma é
a PGR, que tem a estrita obrigação de investigar as acusações gravíssimas de
António Ventinhas. Das duas uma, ou elas são delírios sem fundamento e então o
seu autor deve ser severamente punido; ou têm fundamento e, nesse caso, Pinto
Monteiro deve pagar caro pelo que fez (e pelo que não deixou fazer).
[Publicado no jornal “i”]
PS. Por um curioso lapso, no jornal o título foi alterado
para “Justiça a renegar-se?”
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