Um dos desastres maiores da política portuguesa é a falta de
memória e a falta de visão com que demasiadas medidas são tomadas. Parece que
já (quase) todos se esqueceram que a principal razão porque fomos obrigados a
pedir auxílio à troika foi porque
acumulámos enormes problemas de excesso de procura e défice de competitividade,
entre outros, que geraram uma série interminável de elevadíssimos défices
externos e uma dívida externa superior a 100% do PIB, algo que seria impossível
de acontecer fora do euro, porque teríamos sido obrigados a chamar o FMI muito
antes de atingir aquela infeliz marca.
Para aquele défice de competitividade certamente que
contribuiu o aumento nominal excepcional do salário mínimo de 25,7% entre 2007
e 2011, com as implicações que teve sobre todos os outros salários. Este
aumento foi “permitido” porque se deixou de usar este valor como referência
para as prestações sociais, tendo sido substituído pelo IAS (indexante de
apoios sociais), cujo valor está congelado desde 2009 em 419€, muito abaixo do
salário mínimo.
Para recuperar a competitividade, uma das medidas exigidas
pela lógica e pela troika foi a
“desvalorização interna”, já que uma desvalorização externa deixou de estar
disponível desde a adesão ao euro. Esta “desvalorização interna” consiste,
entre outras coisas, na descida dos salários reais. Isto tem acontecido de
forma clara nos salários mais qualificados, em que os novos salários são muito
inferiores aos daqueles que já estão empregados.
Dado que o salário mínimo tinha subido tanto antes da
chegada da troika, era evidente que
era aí que era necessário um congelamento salarial mais prolongado. Aliás,
recorde-se que na Grécia foi exigido mesmo uma queda muito significativa do salário
mínimo, de 22%.
Por todas estas razões, foi com enorme surpresa e desagrado
que vários economistas (em que me incluo), bem como o FMI, assistiram à subida
do salário mínimo, em Outubro passado, numa altura em que o desemprego
permanecia demasiado elevado e o equilíbrio externo insuficientemente
consolidado.
É verdade que no 4º trimestre de 2014 a economia registou
alguma desaceleração, mais patente nos indicadores coincidentes calculados pelo
Banco de Portugal do que nos valores do PIB divulgados pelo INE, mas não deixa
de ser inquietante constatar a coincidência entre a data da subida do salário mínimo
e o momento a partir do qual o desemprego começou a subir.
O mais importante é que o próximo governo, cuja composição e
duração parecem cada vez mais incertos, perceba que o salário mínimo não pode
ser alvo de voluntarismo nem de demagogia, sob pena de se aumentar o desemprego
e reverter os benefícios da “desvalorização interna” entretanto alcançados.
[Publicado no DiárioEconómico]
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