sábado, 11 de abril de 2015

Desemprego

Um dos desastres maiores da política portuguesa é a falta de memória e a falta de visão com que demasiadas medidas são tomadas. Parece que já (quase) todos se esqueceram que a principal razão porque fomos obrigados a pedir auxílio à troika foi porque acumulámos enormes problemas de excesso de procura e défice de competitividade, entre outros, que geraram uma série interminável de elevadíssimos défices externos e uma dívida externa superior a 100% do PIB, algo que seria impossível de acontecer fora do euro, porque teríamos sido obrigados a chamar o FMI muito antes de atingir aquela infeliz marca.

Para aquele défice de competitividade certamente que contribuiu o aumento nominal excepcional do salário mínimo de 25,7% entre 2007 e 2011, com as implicações que teve sobre todos os outros salários. Este aumento foi “permitido” porque se deixou de usar este valor como referência para as prestações sociais, tendo sido substituído pelo IAS (indexante de apoios sociais), cujo valor está congelado desde 2009 em 419€, muito abaixo do salário mínimo.

Para recuperar a competitividade, uma das medidas exigidas pela lógica e pela troika foi a “desvalorização interna”, já que uma desvalorização externa deixou de estar disponível desde a adesão ao euro. Esta “desvalorização interna” consiste, entre outras coisas, na descida dos salários reais. Isto tem acontecido de forma clara nos salários mais qualificados, em que os novos salários são muito inferiores aos daqueles que já estão empregados.

Dado que o salário mínimo tinha subido tanto antes da chegada da troika, era evidente que era aí que era necessário um congelamento salarial mais prolongado. Aliás, recorde-se que na Grécia foi exigido mesmo uma queda muito significativa do salário mínimo, de 22%.

Por todas estas razões, foi com enorme surpresa e desagrado que vários economistas (em que me incluo), bem como o FMI, assistiram à subida do salário mínimo, em Outubro passado, numa altura em que o desemprego permanecia demasiado elevado e o equilíbrio externo insuficientemente consolidado.

É verdade que no 4º trimestre de 2014 a economia registou alguma desaceleração, mais patente nos indicadores coincidentes calculados pelo Banco de Portugal do que nos valores do PIB divulgados pelo INE, mas não deixa de ser inquietante constatar a coincidência entre a data da subida do salário mínimo e o momento a partir do qual o desemprego começou a subir.

O mais importante é que o próximo governo, cuja composição e duração parecem cada vez mais incertos, perceba que o salário mínimo não pode ser alvo de voluntarismo nem de demagogia, sob pena de se aumentar o desemprego e reverter os benefícios da “desvalorização interna” entretanto alcançados.


[Publicado no DiárioEconómico]

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