sábado, 25 de abril de 2015

Comer muito e emagrecer

O cenário macroeconómico do PS é demasiado cor-de-rosa para servir de base a um debate genuíno

António Costa entendeu por bem pedir a um conjunto de economistas que desenhassem um cenário macroeconómico, que deveria servir de enquadramento para o programa eleitoral do PS, iniciativa que deveríamos saudar.

Os eleitores ficariam na posse de um documento, que deveria ser analisado em duas etapas. Numa primeira etapa, far-se-ia uma análise técnica ou positiva (não confundir com favorável) do documento, em que os seus resultados e consistência interna seria avaliada. Em princípio e dada a qualidade de alguns dos elementos escolhidos pelo PS para a equipa que produziu este texto, esta primeira fase seria relativamente consensual, com algumas discordâncias sobre questões secundárias.

A segunda etapa, de avaliação normativa ou política, é que deveria gerar as maiores divergências, como é natural. É natural de esperar que o debate técnico-científico gere um consenso, embora em economia isto seja mais raro do que em outras ciências, porque há visões políticas muito diferenciadas e que condicionam e distorcem a própria avaliação técnica.

A primeira observação a fazer é que dos 12 economistas escolhidos pelo PS nenhum se distingue pela sua relação ao mundo das empresas, onde é necessário viver no colete de forças imposto pelo Estado e pelos obstáculos criados pelas políticas públicas à produtividade e sucesso empresarial. 

Em seguida, é preciso reconhecer que se esbarra na avaliação técnica da proposta, porque esta enferma de três problemas: um excessivo optimismo, inconsistências internas e lacunas. Quanto ao optimismo, prevê-se que a economia cresça quase mais 1 ponto percentual do que o cenário base, da Comissão Europeia (CE), e que em 2017 o crescimento seja de 3,1%, o valor mais elevado desde o ano 2000, quase duas décadas antes. Para além disso, todas as outras variáveis também são melhores: o desemprego é mais baixo, tal como a inflação, o défice e a dívida públicas. É como se nos quisessem colocar a escolha entre ser rico e com saúde ou pobre e doente.

O cúmulo do optimismo consiste em prever que um aumento inicial do défice irá produzir tão milagrosos efeitos que, no final e no conjunto do período, teríamos um défice público inferior ao previsto pela CE. É como se nos propusessem uma dieta de comer muito para emagrecer.

Em termos de inconsistências, é extremamente difícil de compreender como é que crescendo mais, ainda por cima através de um estímulo da procura interna, iríamos ter uma inflação inferior. Também não se percebe como é uma tão grande expansão do consumo privado iria deixar quase intactas as contas externas, sendo inclusive compatível com a diminuição da dívida externa (em percentagem do PIB). Na verdade espera-se uma maior expansão das exportações, apesar de os estímulos se concentrarem no sector não exportador (restauração e construção), o que parece incongruente.

Do lado das lacunas, falta conhecer as estimativas decisivas sobre o potencial de crescimento da economia e a evolução do hiato do produto (output gap). Para que mais procura se transforme em mais PIB é necessário que aquele potencial tenha aumentado e não se percebe como é que isso irá suceder, se pouquíssimas das medidas propostas se destinam a melhorar a oferta. Por seu turno conhecer o hiato do produto, a diferença entre o PIB potencial e o PIB efectivo, permite distinguir entre a parte do crescimento que é apenas recuperação do “tempo perdido” e aquela que será a “nova normal”, pois só a segunda é sustentável.

Quanto à medida de redução da TSU dos trabalhadores, que terá como contrapartida uma redução das suas pensões futuras, parece algo tão pouco responsável, que deveria ser facultativa.

Para finalizar, confesso a curiosidade em saber o que é que o FMI, a CE, o BCE e o Banco de Portugal pensam sobre este cenário.

PS. O PS, PSD e CDS não podiam arranjar melhor forma de comemorar o 25 de Abril do que reinstituir a censura sobre a comunicação social?


[Publicado no jornal “i”]

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