O governo grego
arrisca-se a transformar os seus sonhos em pesadelos
O insuspeito Joschka Fischer acaba de publicar (a 29 de
Abril) no Project Syndicate um artigo
muito crítico sobre o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, intitulado
“Tsipras na terra dos sonhos”, que vale a pena revisitar criticamente.
Em primeiro lugar deve-se recordar que aquele político
alemão foi ministro do Negócios Estrangeiros e vice-chanceler entre 1998 e
2005, para além de ser líder dos Verdes. Fischer afirmou que a sua batalha
política mais difícil, que durou vinte anos, foi fazer do seu partido um
organização de governo.
Esta questão é muitíssimo importante: a escolha entre ser um
partido de protesto ou um partido de governo. Como vimos, os Verdes alemães
demoraram duas décadas até chegar lá; em Portugal há uma grande divisão
ideológica na área do Bloco de Esquerda, que tem provocado inúmeras cisões, justamente
em torno desta questão; na Grécia, o Syriza só muito recentemente pensou em
participar num governo.
Na verdade, como o antigo ministro alemão bem analisa,
apesar de liderar um executivo, Tsipras ainda não interiorizou o que isso
implica.
Talvez haja algum exagero nisso, mas Fischer considera que
havia na Europa alguma consideração pela austeridade sofrida pela Grécia, com
resultados tão magros, e que o novo governo grego poderia ter aproveitado isso
para obter algumas concessões. Nomeadamente se tivesse feito cortes no seu
enorme orçamento de defesa para ajudar as condições de vida dos mais
necessitados. Em vez disso, para espanto de todos, no meio das maiores
dificuldades, assinou novos contratos de fornecimento de armamento.
Citando o artigo: “é precisamente a aceitação da necessidade
que marca a diferença entre governo e oposição. Um partido da oposição pode dar
voz a aspirações, fazer promessas e até sonhar um pouco; mas um partido de
governo não pode permanecer nesse mundo imaginário ou sistema teórico”. Parece
que estas palavras também vêm muito a propósito das eleições legislativas
portuguesas que se aproximam.
Para além disso, como muitos outros já o fizeram, Fischer
critica duramente a táctica do insulto e da destruição da própria credibilidade
a que os negociadores gregos recorreram o tempo todo. Em relação a este
aspecto, saúda-se a recente decisão de Tsipras de diminuir os poderes do seu
ministro das Finanças Varoufakis, que parece que nem sequer sabe aplicar os
ensinamentos da disciplina de Teoria dos Jogos, da qual é suposto ser
especialista.
O político alemão é também muito duro com a escolha de parceiro
de coligação do Syriza, um partido de extrema-direita, nacionalista e
anti-europeu, quando havia outras opções pró-europeias. A isso soma-se a
aproximação à Rússia de Putin e a tentativa de isolar a Alemanha na zona do
euro, “que nunca poderia ter funcionado”. Percebe-se que Fischer fique
particularmente incomodado com este aspecto, dada a sua nacionalidade, mas o
mais irónico é que o resultado conseguido por Tsipras foi exactamente o oposto.
Acrescento eu que, se o governo grego tivesse esboçado uma
alternativa credível, talvez o resultado não fosse este. Assim, teve a oposição
de todos, por todas as razões. Os países credores não queriam assustar os seus
eleitorados com a ideia de um perdão de dívida, os países devedores não queriam
colocar em causa politicamente os esforços que tinham exigido aos seus
eleitores, nem queriam ser contagiados pela subida de taxas de juro da Grécia,
quando todas as outras estavam em queda.
Voltando aos comentários pessoais, a dúvida que persiste é
em relação ao dossier das reparações de guerra da Alemanha à Grécia. Se, seja
de que forma for, a Grécia sair do euro, esta matéria pode ganhar outra
dimensão e este país pode passar a ter os EUA como aliado. Nessa circunstância,
o poder relativo da Alemanha seria claramente enfraquecido. Pode ser que esta
seja a arma de arremesso que Tsipras tem usado nos bastidores e uma das razões
da sua crescente proximidade com Angela Merkel.
[Publicado no jornal “i”]
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