segunda-feira, 11 de maio de 2015

Tolerância ao abuso de poder

António Costa ainda não é primeiro-ministro e o país do “respeitinho” salazarento já está muito tolerante aos seus abusos de poder

Sócrates no governo fez muito mal à nossa democracia, mas também ajudou a revelar algumas das graves doenças de que esta padece, nomeadamente a debilidade da justiça, da comunicação social e da sociedade civil.

Sócrates abusava da desonestidade intelectual, havendo muitos que engoliam a sua “conversa”. Destaco uma excepção, um caso de extraordinária falta de inteligência política, quando o então chefe do executivo tentou fazer passar um documento sobre educação como sendo obra da OCDE, no preciso momento em que o governo estava em pé de guerra com os professores. Como é óbvio esta fraude foi exposta em menos de 24 horas mas a dúvida que sempre ficou foi como é que ele esperava que isso passasse em branco?

Para além desta, havia também – muito claro – um forte pendor para a desonestidade material, de que o exemplo mais flagrante foi a assinatura do contrato da auto-estrada do Pinhal Interior, quando o país caminhava já a passos largos para a bancarrota.

Não podemos também esquecer a grave incompetência na insistência num “modelo” que assentava no aumento da despesa pública, sem produzir crescimento, mas fazendo subir as dívidas pública e externa para níveis estratosféricos, que nos atiraram para os braços da troika, movimento que, ainda por cima, Sócrates resistiu até à última, com grave prejuízo para o país.

Para além de tudo isto, que não é pouco nem leve, o então primeiro-ministro especializou-se em fazer bullying da comunicação social e em mostrar uma especial intolerância à crítica, em total desrespeito pelo espírito democrático.

Enquanto isto se passava, o que faziam as instituições do país? Toleravam tudo, permitindo que na vez seguinte o abuso fosse sempre um pouco mais longe, agigantando o sentimento de impunidade do chefe do executivo que, antes de ser preso, terá dito, que “eles” não se atreveriam a prendê-lo. Mais do que os abusos, o que se tem que salientar é a tolerância com que foram recebidos, o que nos remete inevitavelmente para a durabilidade de Salazar.

É importante recordar o “legado” de Sócrates por duas razões. Em primeiro lugar, porque, ao contrário de António José Seguro, António Costa não se tem demarcado daquele. Em segundo lugar, porque o actual líder do PS parece inclinado a imitar alguns dos piores defeitos do ex-primeiro-ministro.

António Costa enviou um SMS intolerável a João Vieira Pereira, director-adjunto do jornal Expresso, em vez de usar o mais natural e público “direito de resposta”, de comentário a um artigo de opinião daquele jornalista. É evidente que esta mensagem de Costa constitui uma pressão intolerável e que deveria ter sido repudiada por toda a comunicação social, em especial deveria ter merecido uma chamada de atenção institucional do órgão de comunicação onde este jornalista não só trabalha como ocupa um lugar directivo.

Os erros constituem uma oportunidade de aprendizagem, mas o silêncio da comunicação social sobre este está a impedir António Costa de aprender com ele. Esta falta de reacção é tanto mais chocante quanto ainda pouco antes a comunicação social se tinha unido – e muito bem – para repudiar a “censura prévia” à informação sobre a campanha eleitoral que se avizinha.

António Costa ainda não é primeiro-ministro e o país do “respeitinho” salazarento já está muito tolerante com os seus abusos de poder, o que é um péssimo sinal.

Pior do que os abusos de poder só mesmo a tolerância perante estes abusos, que cria as condições para que esta falta de respeito por todos nós se perpetue.


[Publicado no jornal “i”]

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