António Costa ainda
não é primeiro-ministro e o país do “respeitinho” salazarento já está muito
tolerante aos seus abusos de poder
Sócrates no governo fez muito mal à nossa democracia, mas
também ajudou a revelar algumas das graves doenças de que esta padece,
nomeadamente a debilidade da justiça, da comunicação social e da sociedade
civil.
Sócrates abusava da desonestidade intelectual, havendo
muitos que engoliam a sua “conversa”. Destaco uma excepção, um caso de
extraordinária falta de inteligência política, quando o então chefe do
executivo tentou fazer passar um documento sobre educação como sendo obra da
OCDE, no preciso momento em que o governo estava em pé de guerra com os
professores. Como é óbvio esta fraude foi exposta em menos de 24 horas mas a
dúvida que sempre ficou foi como é que ele esperava que isso passasse em
branco?
Para além desta, havia também – muito claro – um forte
pendor para a desonestidade material, de que o exemplo mais flagrante foi a
assinatura do contrato da auto-estrada do Pinhal Interior, quando o país
caminhava já a passos largos para a bancarrota.
Não podemos também esquecer a grave incompetência na
insistência num “modelo” que assentava no aumento da despesa pública, sem
produzir crescimento, mas fazendo subir as dívidas pública e externa para
níveis estratosféricos, que nos atiraram para os braços da troika, movimento que, ainda por cima, Sócrates resistiu até à
última, com grave prejuízo para o país.
Para além de tudo isto, que não é pouco nem leve, o então
primeiro-ministro especializou-se em fazer bullying
da comunicação social e em mostrar uma especial intolerância à crítica, em
total desrespeito pelo espírito democrático.
Enquanto isto se passava, o que faziam as instituições do
país? Toleravam tudo, permitindo que na vez seguinte o abuso fosse sempre um
pouco mais longe, agigantando o sentimento de impunidade do chefe do executivo
que, antes de ser preso, terá dito, que “eles” não se atreveriam a prendê-lo.
Mais do que os abusos, o que se tem que salientar é a tolerância com que foram
recebidos, o que nos remete inevitavelmente para a durabilidade de Salazar.
É importante recordar o “legado” de Sócrates por duas
razões. Em primeiro lugar, porque, ao contrário de António José Seguro, António
Costa não se tem demarcado daquele. Em segundo lugar, porque o actual líder do
PS parece inclinado a imitar alguns dos piores defeitos do
ex-primeiro-ministro.
António Costa enviou um SMS intolerável a João Vieira
Pereira, director-adjunto do jornal Expresso,
em vez de usar o mais natural e público “direito de resposta”, de comentário a
um artigo de opinião daquele jornalista. É evidente que esta mensagem de Costa
constitui uma pressão intolerável e que deveria ter sido repudiada por toda a
comunicação social, em especial deveria ter merecido uma chamada de atenção
institucional do órgão de comunicação onde este jornalista não só trabalha como
ocupa um lugar directivo.
Os erros constituem uma oportunidade de aprendizagem, mas o
silêncio da comunicação social sobre este está a impedir António Costa de
aprender com ele. Esta falta de reacção é tanto mais chocante quanto ainda
pouco antes a comunicação social se tinha unido – e muito bem – para repudiar a
“censura prévia” à informação sobre a campanha eleitoral que se avizinha.
António Costa ainda não é primeiro-ministro e o país do
“respeitinho” salazarento já está muito tolerante com os seus abusos de poder,
o que é um péssimo sinal.
Pior do que os abusos de poder só mesmo a tolerância perante
estes abusos, que cria as condições para que esta falta de respeito por todos
nós se perpetue.
[Publicado no jornal “i”]
Sem comentários:
Enviar um comentário