terça-feira, 5 de maio de 2015

Avaliação independente

Em economia, como em muitas outras áreas, não existem vias únicas. Em relação ao documento “Uma década para Portugal”, apresentado por um conjunto de economistas convidados pelo PS, parece que seria útil saber se propõe uma via mais à esquerda ou uma outra via, em direcção ao abismo, como foi aquela em que o país seguia em 2011, quando esse caminho foi interrompido com o pedido de auxílio à troika.

Uma coisa é aquele programa prometer muitos mais estímulos públicos, outra coisa é dizer que isso será conseguido sem qualquer problema nas contas públicas, nem nas contas externas, antes pelo contrário, prevendo que ambas melhorariam.

Pelo menos, temos que conceder que o PS elevou o debate político, fazendo o que nenhum outro partido na oposição fez até hoje. Para sermos coerentes com esta elevação faz todo o sentido que este cenário macroeconómico seja avaliado por um organismo independente.

Sugeriu-se que seja o Conselho de Finanças Públicas (CFP) a fazer esta avaliação, mas este ainda não teve uma posição clara sobre o assunto. Esperamos que este organismo tenha uma visão lata do seu mandato e não se refugie em nenhuma bizantinice legal, como é demasiado frequente.

Se for caso disso, que seja o próprio PS a propor a alteração da lei que rege o CFP, para que este possa fazer esta avaliação e que entre as suas atribuições se preveja chamar os autores do documento para eventuais esclarecimentos.  

O que está em causa é demasiado importante para ficarmos pela chicana política ou pelos rodriguinhos administrativos.

A este propósito, recordo-me de um dos mais infelizes debates do espaço público português. Antes das eleições de 2009, quando Portugal preparava – com a maior irresponsabilidade – o seu caminho para o abismo, um grupo de reputados economistas e académicos publicou um manifesto contra as grandes obras públicas, cuja utilidade se vinha a revelar cada vez mais duvidosa.

Logo em seguida, surgiu um segundo manifesto, recheado de não economistas e adeptos da extrema-esquerda a defender o investimento público. Pouco dias depois, um terceiro grupo, que se pode designar o manifesto dos interesses, envolvendo pessoas directamente envolvidas nos negócios da construção civil, a defender que o Estado deveria continuar a gastar dinheiro naquilo em que eles ganhavam dinheiro.

O que chocou no meio disto tudo é que os três manifestos foram assumidos como defendendo posições equivalentes, como se a opinião de economistas sobre assuntos económicos fosse equivalente à de não economistas e como se opinião de pessoas isentas devesse ser olhada com o mesmo peso com que se olha para aqueles que estão demasiado interessados nos seus negócios para poderem ser olhados como isentos. Faltou então uma visão independente e esperemos que não falte agora.


[Publicado no DiárioEconómico]

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