Se a Comissão Europeia
tem sérias dúvidas sobre as previsões do governo, muitas mais teria sobre as
perspectivas do PS
Já houve imensos descalabros nas contas públicas de vários
países europeus, com destaque para a Grécia, mas onde Portugal também ocupa um
lugar de infelizmente saliente.
Em 2001, quando não havia problemas de crescimento evidentes
e o desemprego estava no mínimo de 4%, o governo de Guterres conseguiu a proeza
de alcançar um défice excessivo, com a agravante de este ter sido camuflado dos
nossos parceiros comunitários até às eleições legislativas de 2002, como a
Grécia faria em 2009. Em 2010, quando a crise do euro já estava a pleno vapor,
o governo de Sócrates conseguiu um novo record de défice público e criar as
condições para o, a partir daí, quase inevitável resgate pela troika.
Depois de tantos problemas, foi instituído o chamado
Semestre Europeu, que se destina a analisar de forma exigente e antecipada as
propostas orçamentais dos diferentes países da zona do euro, enquadrado no mais
ambicioso objectivo da Europa 2020.
Neste contexto, esta semana foi conhecida a avaliação que a
Comissão Europeia (CE) fez ao Programa de Estabilidade e Crescimento 2015-2019,
apresentado pelo governo português no mês passado.
Embora considere plausíveis as previsões macroeconómicas
para 2015 e 2016, avalia as previsões de crescimento económico para 2017 e 2018
como optimistas (2,4% em ambos os anos, para os quais o PS prevê valores ainda
superiores, de 3,1% e 2,6%).
A CE também não está satisfeita com a falta de detalhe das
medidas orçamentais a partir de 2016 e com a sua provável insuficiência para
cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento. No documento do PS também não há
detalhes, como não seria de esperar, mas aponta-se para défices superiores em
cerca de 1% do PIB aos estimados pelo governo, o que deveria merecer duras
críticas europeias, já que estes valores não respeitam os nossos acordos
internacionais.
Em seguida, são passados em revista as realidades
sectoriais, referindo-se os progressos registados até agora e aquilo que ainda
é necessário melhorar. A restruturação das empresas públicas não foi completada
e a reforma das pensões tem conhecido progressos limitados.
A CE tem a benevolência de considerar que foi feita uma
reforma abrangente do sistema fiscal português nos dois últimos anos e que é
chegada a hora de fazer a uma avaliação global desta reforma.
É evidente que uma tal avaliação será muito bem-vinda e será
necessário pressionar o PS para rever a sua posição sobre a reforma do IRC. A
pretexto de que o governo não cumpriu a sua parte, os socialistas querem
reverter as alterações aprovadas. Para um investidor estrangeiro é assustador
que nem sequer aquilo que parecia um acordo de regime seja respeitado e que um
partido possa usar este tema como arma de arremesso politico. O que o PS tem
que fazer é exigir que o governo cumpra as suas obrigações ou, em alternativa,
se chegar ao poder, fazer o que este executivo não fez. O que não pode é deitar
para o caixote de lixo um acordo no qual algumas decisões de investimento já
terão sido tomadas.
Por maioria de razão, se o PS tem elevadíssimas expectativas
sobre o crescimento da economia sob a sua batuta, a última coisa que pode fazer
é destruir a confiança dos investidores nas decisões dos governos portugueses. Escusam
de acreditar na fantasia que as novas políticas é que serão milagrosas, porque
os investidores (que funcionam em prazos muito mais dilatados do que uma
legislatura) não confiam em países em que os governos não respeitam o que os
seus antecessores acordaram.
Se a CE faz estas críticas ao programa apresentado pelo
governo, imagine-se o que ela não diria do documento apresentado pelo PS
versando matéria próxima da deste.
Resta ainda referir que, no meio dos graves problemas que
envolvem a Grécia e do receio de que haja a menor contaminação a outros países,
é de esperar que as críticas europeias tenham sido muito filtradas e atenuadas.
[Publicado no jornal “i”]
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