O pensamento de Fernando Medina é um misto de fatalismo
e de branqueamento de responsabilidades
Agora que Fernando Medina passou a ser presidente da Câmara
Municipal de Lisboa, ao contrário do que nos tinha sido prometido, é importante
prestar mais atenção ao que ele pensa e já disse, porque é evidente que a sua
proximidade a António Costa é elevada e o seu peso no PS está em crescimento.
Entre 2005 e 2009, foi nomeado Secretário de Estado do
Emprego e da Formação Profissional, sendo Ministro do Trabalho Vieira da Silva.
É importante recordar que foi durante este período que se fez a manigância de
criar o Indexante de Apoios Sociais (IAS), que substituiu o salário mínimo como
referência para diversas prestações sociais.
Com esta “esperteza”, o aumento do salário mínimo deixou de
ter custos para o Estado e foi possível fazer toda a demagogia em torno de uma
irresponsável subida extraordinária daquele referencial salarial. Para além
disso, isso também permitiu aos governos de Sócrates desprezar os mais pobres,
que praticamente não têm quem os defenda no espaço público. Recorde-se que o
IAS está congelado, desde 2009, claramente antes da troika, em apenas 419€.
Medina foi ainda Secretário de Estado da Industria e
Desenvolvimento no último governo socialista, o que, não lhe conferindo
especiais responsabilidades, deixa-o próximo da sua actuação e consequências.
Mas, penso eu, mais grave do que fez e deixou fazer, é a
visão que apresenta sobre esse período porque é como que uma promessa para o
futuro.
Fernando Medina defende que não podíamos ter evitado a
crise, mesmo que se tivessem tomado algumas medidas a partir de 2009. Esta
descrição é um misto de fatalismo e de branqueamento de responsabilidades.
Antes de mais, dizer, como disse em entrevista recente ao
jornal Observador, que o problema foi
uma ruptura no mecanismo de financiamento da nossa dívida externa é escamotear
que o problema era o crescimento imparável que esta vinha registando. É
evidente que a nossa dívida externa estava numa trajectória insustentável e que
em qualquer momento do tempo haveria uma ruptura nesse financiamento. Eu
próprio avisei para o que se estava a preparar, no artigo “Défice e
endividamento externo”, publicado na revista Economia Pura, em 2001, uma década antes de sermos obrigados a
chamar a troika.
A argumentação de que a dívida externa era do sector privado
e que o Estado não tinha nada a ver com isso é triplamente errada. Em primeiro
lugar, o endividamento das famílias para a compra de habitação própria era
estimulada por benefícios fiscais. Em segundo lugar, parte do endividamento das
empresas e bancos tinha a ver com as manigâncias de financiamento que se
criaram com as PPP, que apenas tentavam esconder dívida pública para que não
aparecesse nas contas. Finalmente, o Estado tem a obrigação de zelar pela
estabilidade macroeconómica do país, nomeadamente pelo equilíbrio externo e não
pode simplesmente dizer que um desequilíbrio externo nos caiu do céu. Mesmo que
isso fosse verdade, que não era, era obrigação dos sucessivos governos diminuir
aquele desequilíbrio.
Esta coisa de dizer que a crise era inevitável sugere a
comparação com uma pessoa que fumou três maços por dia durante 15 anos, ficou
com um cancro e depois diz que o cancro era inevitável. Então e se só tivesse
fumado um maço, também teria desenvolvido uma doença oncológica? Ou se tivesse
fumado muito, mas durante muito menos tempo?
É evidente que há aqui doses maciças de branqueamento de responsabilidades
e uma visão estritamente de curto prazo, incapaz de medir as consequências a
prazo das acções governativas.
Isto é uma promessa de voltar a repetir todos os erros do
passado e, nas eventuais novidades, pensar apenas se elas são imediatamente
boas, independentemente das pesadas heranças que deixem.
[Publicado no jornal “i”]
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