José da Silva Lopes
era um dos nossos melhores economistas e certamente um dos mais
intelectualmente honestos
O facto de ter morrido quinta-feira passada, no mesmo dia de
Manoel de Oliveira, essa lenda do cinema, poderia ter feito com que os
obituários a José da Silva Lopes fossem escassos. Felizmente, não tem sido esse
o caso, vindo dos mais diversos quadrantes, a um dos nossos melhores
economistas, que aliava um profundo conhecimento a uma rara independência de
opinião. Apesar de ser de esquerda, nunca evitou dizer verdades inconvenientes,
inclusive contra si próprio. Julgo que terá sido o único economista já
reformado que defendeu os cortes nas pensões mais altas, sabendo obviamente que
isso o prejudicaria, destacando-se claramente de todos os outros que colocaram
os seus interesses pessoais acima dos interesses do país.
Era também um orador cativante e recordo-me vivamente do
discurso que fez, no agradecimento de uma conferência organizada pelo Banco de
Portugal em sua homenagem. O banco central já anunciou, aliás, em boa hora, que
deverá organizar uma outra conferência em memória deste economista.
Naquela conferência falou da sua experiência profissional e
política, tendo dito que começou numa época boa, com a procura por técnicos
qualificados a subir muito e a oferta limitada.
A seguir ao 25 de Abril foi brevemente ministro das
Finanças, durante um período conturbado, sendo governador do Banco de Portugal
entre 1975 e 1980. Durante este período teve que se debater com a óbvia
necessidade de desvalorizar o escudo e a oposição dos políticos, que temiam que
isso colocasse em causa o apoio da população ao novo regime. Pode-se dizer que,
pelo menos em alguma medida, foram os políticos que, ao ignorarem os avisos dos
economistas, forçaram a primeira vinda do FMI, pouco tempo depois.
Em 1976, uma equipa do MIT, liderada por Eckhaus e incluindo
Paul Krugman, esteve em Portugal, a pedido de Silva Lopes, para ajudar naquela
fase de grandes mudanças. No obituário que já lhe escreveu no seu blog, Krugman
recorda que este lhe disse que ter só seis meses de reservas [de divisas] é
como não ter reservas nenhumas. Segundo este economista americano, esta ideia
foi uma inspiração chave num dos seus primeiros trabalhos sobre as crises
cambiais. Não resisto também a comparar a previdência do falecido economista
com a imprudência de Sócrates, que gastou as reservas até ao limite, antes de
pedir ajuda à troika, bem como o
perigosíssimo jogo que o actual governo grego está a fazer, esgotando todas as
reservas e preparando-se para ser o primeiro país desenvolvido a não pagar ao
FMI.
Krugman também salienta a inteligência e o bom humor do
nosso economista que, fazendo menção à importância da indústria têxtil no nosso
país nessa época lhe disse que Portugal não era uma república das bananas, mas sim
uma república dos pijamas.
Mas voltando àquela conferência em homenagem a Silva Lopes,
o momento mais memorável da sua intervenção foi a descrição da luta entre
economistas e políticos sobre a construção do porto de Sines. Com a subida do
preço do petróleo em 1973 e a perda das colónias em 1975, era evidente que todo
o complexo petroquímico que estava previsto para Sines tinha que ser revisto.
Em particular, os economistas sugeriam que uma mera redução da capacidade do
porto em 20% permitiria uma brutal contenção de custos, na ordem dos 50%. Mas
os políticos levaram a sua avante. Pergunto eu: como é que querem que não
associemos obras públicas a corrupção?
Como recordou Henrique Monteiro, no Expresso, enquanto presidente do Montepio criou o Prémio Escolar
Montepio, destinado a premiar não as melhores escolas, mas algumas das piores
que mais progrediam. Uma excelente iniciativa, de dar a mão aos mais
desfavorecidos, uma marca nítida da sua genuína consciência social.
Pessoalmente, só contactei com ele uma única vez, quando
ambos fomos a um programa do Prós e
Contras, tendo falado só um pouco com ele no carro em que ambos apanhámos
boleia, sobre o filho dele, Paulo, que eu conhecia, e a quem mando um abraço
sentido.
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