Têm a certeza que
querem ter como próximo primeiro-ministro um campeão da opacidade?
Uma das coisas mais chocantes da vida pública portuguesa é a
forma como notícias importantíssimas são relegadas para segundo plano, sem
qualquer tipo de repercussão em órgãos de informação diferentes daquele onde a
questão foi inicialmente noticiada.
Um dos exemplos mais flagrantes disto aconteceu no caso Freeport,
em que, no meio de inúmeros indícios de corrupção, foi finalmente noticiado que
este centro comercial tinha sido autorizado num local onde anteriormente tinha
sido proibida a construção de um cemitério. Não por qualquer risco de
contaminação dos solos, mas com o argumento que isso iria induzir um tráfego
excessivo na zona, incompatível com a sua preservação ambiental. Pois esta
notícia, que deveria constituir a prova definitiva da existência de corrupção
naquele licenciamento, surgiu uma única vez no Público, para posteriormente se afundar no mais profundo e
misterioso esquecimento.
Entendo que, neste momento, estamos em presença dum caso de
idêntico silenciamento, envolvendo uma pessoa que as sondagens indicam que tem
uma forte probabilidade de ser o próximo primeiro-ministro, talvez dentro de
apenas 10 meses.
Passo a sumariar o caso, baseado em artigo do Público, da autoria de José António
Cerejo, de 6 de Março do corrente. O texto não constitui uma novidade, mas a
sua importância cresceu exponencialmente com as novas funções assumidas por
António Costa no PS.
No início de 2011, o vereador da Câmara Municipal de Lisboa Fernando
Nunes da Silva, também professor catedrático do Técnico (IST), elaborou um
relatório sobre as práticas camarárias referentes à adjudicação e execução das
obras municipais, que considerava enfermarem de graves problemas: o excessivo
recurso à figura dos ajustes directos, em detrimento dos concursos públicos, a
sua concentração num reduzido número de empresas, os elevados gastos em
“trabalhos a mais”, o pagamento de vultuosos juros de mora aos empreiteiros,
entre outros.
Só parte desta informação transpirou para fora, mas motivou
um pedido do referido jornalista, em Outubro de 2011, para ter acesso ao
relatório completo. António Costa recusou divulgar qualquer informação, com
base no argumento de que isso “abre cominho a que todas as decisões políticas e
documentos que as corporizam fiquem sujeitas ao escrutínio público e,
eventualmente, judicial, o que irá conduzir, inevitavelmente, à
diminuição/perda da autonomia que deve caracterizar o exercício do poder
político”.
Reparem bem no descaramento da argumentação: o poder
político deve manter total autonomia para continuar a manter práticas que
enfermam de graves problemas. Isto revela uma mentalidade perigosíssima, de
alguém que quer fazer o que lhe apetece e não quer que se saiba os erros
grosseiros revelados por um relatório técnico elaborado por alguém que
apresenta as mais elevadas qualificações.
Meus caros amigos, os contratos inqualificáveis das PPP, com
cláusulas leoninas e algumas secretas, contra o interesse do Estado e dos
contribuintes inserem-se completamente nesta linha de pensamento. Bem como
todos os outros contratos ruinosos na área da energia e tantas outras.
Mas há mais. Insatisfeito com a recusa do presidente da
Câmara, o jornalista queixou-se à Comissão de Acesso aos Documentos
Administrativos (CADA), que lhe deu razão, mas o que não demoveu o autarca.
Seguiu-se um kafkiano processo judicial, que a câmara perdeu por quatro (!)
vezes, até à rejeição do recurso final por unanimidade pelo Tribunal
Constitucional.
Esta resistência até à última instância ainda me parece uma
atitude mais perigosa do que a recusa inicial, porque revela até que ponto António
Costa quer permanecer, com unhas e dentes, no domínio da opacidade.
Era bom que não se esquecessem que parte da austeridade da troika se deve à opacidade de
muitíssimos negócios públicos, para além de que as falências catastróficas do
GES e do BES decorrem directamente da opacidade.
Têm a certeza que querem ter como próximo primeiro-ministro
um campeão da opacidade?
[Publicado no jornal “i”]
1 comentário:
Um despacho desses é bem revelador da "transparêcia" que o putativo PM irá desenvolver na Administração, tal qual os que antecederam.
O uso/abuso dos recursos (que óbviamente não lhe custaram um tostão!) tem a ver com o sentimento de impunidade, aliás também este sentimento o comunga com generalidade da chamada "classe" política em particular com os barões do PS, que além disso, se arrogam de uma especie de direito de nobreza sobre os restantes ("resistiram ao fascismo e ao gonçalvismo!! enquanto que o PSD só se opôs aos comunistas"!- o seu a seu dono!). Os restantes do "arco" até concedem pois estão mais interessados nas negociatas.
As PPPs e o seu clausulado "confidencial" (pasme-se!!!) remete para outro caso da nossa Administração - O Tribunal de Contas -. Alguém conseguirá (honestamente) descobrir uma réstia de utilidade a essa napoleónica instituição? Se lhe submeteram os contratos com clasulas secretas como pôde dar o suposto necessário visto?
Sugiro se alguém por aqui passar que dê uma olhadela ao organigrama desse tribunal e ainda mais especificamente à "Secção" da Madeira e se tiverem curiosidade façam contas ao que custa essa "jurisdição".
LG
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