sábado, 17 de janeiro de 2015

Leitura “inteligente”


Desenganem-se os que pensam que a leitura “inteligente” das regras orçamentais europeias abre a porta para cortar menos

1. Esta semana, a Comissão Europeia aprovou um conjunto de regras que pretendem dar a melhor utilização à “flexibilidade” permitida pelas actuais normas do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

A Comissão já tinha identificado o investimento, as reformas estruturais e a responsabilidade orçamental como os elementos chave para a criação de emprego e o crescimento económico, onde se enquadra o plano de investimento Juncker.

Aquela flexibilidade será, no entanto, muito maior nos casos em que seja dirigida para a prevenção de problemas orçamentais, do que quando já se entrou no capítulo dos défices excessivos.

A Comissão pretende criar um novo Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos, auxiliado pelo Banco Europeu de Investimentos, e as contribuições nacionais para estes investimentos serão encarados com bastante benevolência. Convinha esclarecer aqui um aspecto: as contribuições nacionais não serão apagadas das contas, elas irão muito provavelmente aumentar o défice público e a dívida pública, mas estas subidas serão toleradas.

Outros investimentos, que possam ser encarados como “reformas estruturais” significativas, também poderão beneficiar da flexibilidade referida no parágrafo anterior. No entanto, estas reformas têm que ter um claro impacto positivo a longo prazo sobre as contas públicas.

Olhando agora para as implicações desta nova flexibilidade para Portugal, em primeiro lugar, é preciso salientar que os disparates da “festa” da Parque Escolar jamais seria aceite neste novo enquadramento, devido ao seu caracter altamente perdulário e, porque não dizê-lo?, que bem merecia uma investigação da Procuradoria-Geral da República.

Em relação às reformas estruturais, relembre-se o requisito de terem um impacto orçamental favorável a prazo. Não basta gastar dinheiro em algo com a alcunha de “reforma estrutural”, é mesmo preciso resultados palpáveis.

Mas talvez o mais importante seja dissipar qualquer tipo de ilusão de que esta nova flexibilidade viria permitir evitar cortes nos salários e pensões do sector público. A austeridade pura e dura não é minimamente posta em causa com esta nova leitura. O que se passará é que ela será contrariada, quer por novos investimentos, quer por reformas estruturais. Aliás, teme-se mesmo que reformas estruturais com impactos favoráveis nas contas públicas sejam um forma eufemística de falar em “despedimentos” no sector público.

2. As promessas de intervenção do BCE (uma especialidade crescente deste banco central) tinham levado à sucessiva depreciação do euro, tornando cada vez mais difícil de cumprir a promessa do Banco Nacional da Suíça de impedir o franco suíço de se apreciar face à moeda europeia.

Esta semana, para surpresa generalizada, este banco central permitiu à moeda suíça apreciar-se sem limite, para terror dos exportadores helvéticos e agravando as tensões deflacionistas que já se verificavam neste país.

Para a zona do euro, esta notícia é ambivalente. Por um lado, por fazer desta união monetária a origem de mais uma acção muito perturbadora, mas também porque pode levar a uma recessão neste (pequeno) país. Por outro, deverá levar à deslocalização de actividades, da Suíça para a zona do euro, de que Portugal poderá beneficiar.


[Publicado no jornal “i”]

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