Desenganem-se os que
pensam que a leitura “inteligente” das regras orçamentais europeias abre a
porta para cortar menos
1. Esta semana, a Comissão Europeia aprovou um conjunto de
regras que pretendem dar a melhor utilização à “flexibilidade” permitida pelas
actuais normas do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
A Comissão já tinha identificado o investimento, as reformas
estruturais e a responsabilidade orçamental como os elementos chave para a
criação de emprego e o crescimento económico, onde se enquadra o plano de
investimento Juncker.
Aquela flexibilidade será, no entanto, muito maior nos casos
em que seja dirigida para a prevenção de problemas orçamentais, do que quando já
se entrou no capítulo dos défices excessivos.
A Comissão pretende criar um novo Fundo Europeu para
Investimentos Estratégicos, auxiliado pelo Banco Europeu de Investimentos, e as
contribuições nacionais para estes investimentos serão encarados com bastante
benevolência. Convinha esclarecer aqui um aspecto: as contribuições nacionais
não serão apagadas das contas, elas irão muito provavelmente aumentar o défice
público e a dívida pública, mas estas subidas serão toleradas.
Outros investimentos, que possam ser encarados como
“reformas estruturais” significativas, também poderão beneficiar da
flexibilidade referida no parágrafo anterior. No entanto, estas reformas têm
que ter um claro impacto positivo a longo prazo sobre as contas públicas.
Olhando agora para as implicações desta nova flexibilidade
para Portugal, em primeiro lugar, é preciso salientar que os disparates da
“festa” da Parque Escolar jamais seria aceite neste novo enquadramento, devido
ao seu caracter altamente perdulário e, porque não dizê-lo?, que bem merecia
uma investigação da Procuradoria-Geral da República.
Em relação às reformas estruturais, relembre-se o requisito
de terem um impacto orçamental favorável a prazo. Não basta gastar dinheiro em
algo com a alcunha de “reforma estrutural”, é mesmo preciso resultados
palpáveis.
Mas talvez o mais importante seja dissipar qualquer tipo de
ilusão de que esta nova flexibilidade viria permitir evitar cortes nos salários
e pensões do sector público. A austeridade pura e dura não é minimamente posta
em causa com esta nova leitura. O que se passará é que ela será contrariada,
quer por novos investimentos, quer por reformas estruturais. Aliás, teme-se
mesmo que reformas estruturais com impactos favoráveis nas contas públicas
sejam um forma eufemística de falar em “despedimentos” no sector público.
2. As promessas de intervenção do BCE (uma especialidade
crescente deste banco central) tinham levado à sucessiva depreciação do euro,
tornando cada vez mais difícil de cumprir a promessa do Banco Nacional da Suíça
de impedir o franco suíço de se apreciar face à moeda europeia.
Esta semana, para surpresa generalizada, este banco central
permitiu à moeda suíça apreciar-se sem limite, para terror dos exportadores
helvéticos e agravando as tensões deflacionistas que já se verificavam neste
país.
Para a zona do euro, esta notícia é ambivalente. Por um
lado, por fazer desta união monetária a origem de mais uma acção muito
perturbadora, mas também porque pode levar a uma recessão neste (pequeno) país.
Por outro, deverá levar à deslocalização de actividades, da Suíça para a zona
do euro, de que Portugal poderá beneficiar.
[Publicado no jornal “i”]
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