segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Mudança de mandato

Com um excepcional atraso, o BCE lá se decidiu a tomar medidas de expansão quantitativa envolvendo dívida soberana, mais de seis anos (!) depois de medidas semelhantes terem sido tomadas pela Reserva Federal dos EUA.

Em primeira aproximação, esta inacção na zona do euro deve-se a um mandato muito limitado e, acrescentaria eu, muito deficiente. Enquanto nos EUA o banco central tem um duplo mandato, sobre o emprego e os preços, o BCE tem apenas um mandato sobre os preços.

Para além disso, este mandato não é inteiramente explícito (“abaixo mas perto dos 2%”), está fixado a um nível demasiado baixo e é encarado de forma não simétrica. Uma ligeira subida da inflação (ou das suas expectativas) acima dos 2% já conduziu a uma subida histérica das taxas de referência, como no Verão de 2008, na véspera do deflagrar da actual grande crise. No entanto, os claríssimos riscos de inflação claramente abaixo da meta têm sido encarados com uma despreocupação inquietante, patentes neste absurdo atraso em adoptar medidas quantitativas.

Quanto ao facto de a meta de inflação ter sido fixada a um nível demasiado baixo isso é patente em dois aspectos. Por um lado, pelo facto de a zona do euro já estar na armadilha da liquidez há cerca de ano, uma situação de evitar a todo o custo. Por outro, porque os elevadíssimos desequilíbrios externos acumulados desde o início do euro obrigam os países mais fracos a produzir desvalorizações internas, que são tão mais difíceis de conseguir quanto mais baixa for a taxa de inflação média da zona. Por isso, quer para combater as expectativas de deflação, quer para facilitar o ajustamento dos países do Sul, o BCE deveria ter uma meta de inflação temporariamente mais elevada.

Para além destes problemas de mandato, parece que o BCE se confrontou com outro tipo de problemas institucionais, nomeadamente sobre a legalidade das próprias medidas de expansão quantitativa, em particular na compra de dívida soberana. Aliás, para fazer face a este problema, teve a saída airosa de decidir que 80% do risco ficaria com os bancos centrais nacionais.

É evidente que esta foi uma concessão ao Bundesbank, revelando a tensão interna dentro do BCE, em que existe um claro conflito entre a mudança de mandato necessária para melhorar as condições de sobrevivência do euro e aquilo que o banco central alemão consegue tolerar.

Na verdade, há indícios de que nesta aprovação da expansão quantitativa o Bundesbank terá estado próximo de perder o seu direito de veto, o que é perigoso. Sem o direito de veto, o Bundesbank poderá ficar crescentemente convicto de que o euro já não serve a Alemanha e começar a trabalhar para alguma forma de desintegração do euro.


[Publicado no DiárioEconómico]

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