Com um excepcional atraso, o BCE lá se decidiu a tomar
medidas de expansão quantitativa envolvendo dívida soberana, mais de seis anos
(!) depois de medidas semelhantes terem sido tomadas pela Reserva Federal dos
EUA.
Em primeira aproximação, esta inacção na zona do euro
deve-se a um mandato muito limitado e, acrescentaria eu, muito deficiente.
Enquanto nos EUA o banco central tem um duplo mandato, sobre o emprego e os
preços, o BCE tem apenas um mandato sobre os preços.
Para além disso, este mandato não é inteiramente explícito
(“abaixo mas perto dos 2%”), está fixado a um nível demasiado baixo e é
encarado de forma não simétrica. Uma ligeira subida da inflação (ou das suas
expectativas) acima dos 2% já conduziu a uma subida histérica das taxas de
referência, como no Verão de 2008, na véspera do deflagrar da actual grande
crise. No entanto, os claríssimos riscos de inflação claramente abaixo da meta
têm sido encarados com uma despreocupação inquietante, patentes neste absurdo
atraso em adoptar medidas quantitativas.
Quanto ao facto de a meta de inflação ter sido fixada a um
nível demasiado baixo isso é patente em dois aspectos. Por um lado, pelo facto
de a zona do euro já estar na armadilha da liquidez há cerca de ano, uma
situação de evitar a todo o custo. Por outro, porque os elevadíssimos
desequilíbrios externos acumulados desde o início do euro obrigam os países mais
fracos a produzir desvalorizações internas, que são tão mais difíceis de
conseguir quanto mais baixa for a taxa de inflação média da zona. Por isso, quer
para combater as expectativas de deflação, quer para facilitar o ajustamento
dos países do Sul, o BCE deveria ter uma meta de inflação temporariamente mais
elevada.
Para além destes problemas de mandato, parece que o BCE se
confrontou com outro tipo de problemas institucionais, nomeadamente sobre a
legalidade das próprias medidas de expansão quantitativa, em particular na
compra de dívida soberana. Aliás, para fazer face a este problema, teve a saída
airosa de decidir que 80% do risco ficaria com os bancos centrais nacionais.
É evidente que esta foi uma concessão ao Bundesbank,
revelando a tensão interna dentro do BCE, em que existe um claro conflito entre
a mudança de mandato necessária para melhorar as condições de sobrevivência do
euro e aquilo que o banco central alemão consegue tolerar.
Na verdade, há indícios de que nesta aprovação da expansão
quantitativa o Bundesbank terá estado próximo de perder o seu direito de veto,
o que é perigoso. Sem o direito de veto, o Bundesbank poderá ficar
crescentemente convicto de que o euro já não serve a Alemanha e começar a
trabalhar para alguma forma de desintegração do euro.
[Publicado no DiárioEconómico]
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