O que se passou no
GES/BES? Quem agiu? Porque agiu assim?
Com base na informação conhecida até agora, reconhecidamente
incompleta, vou tentar esboçar uma resposta muito preliminar ao mistério do GES/BES,
tentando responder a três questões: O que se passou no GES/BES? Quem agiu?
Porque agiu assim?
Julgo que é importante olhar para o grupo GES salientando
alguns dos aspectos essenciais que ajudam a explicar o seu actual descalabro.
Em primeiro lugar, era um grupo excepcionalmente endividado (alavancado, em
linguagem financeira). Porquê uma dívida tão elevada? Pelo excesso de ambição.
Se o Grupo não tivesse querido expandir-se tanto, em tantas áreas, não
precisaria de tanta dívida e poderia ter sobrevivido.
Em segundo lugar, baseava-se num “modelo de negócio” em que
mais importante do que a capacidade empreendedora ou a capacidade de gestão,
era a capacidade de abrir portas, demasiadas vezes recorrendo a métodos pouco
limpos. Vejam-se a quantidade impressionante de casos de polícia em que o Grupo
esteve envolvido. Para além disso, era proverbial o nepotismo dentro do grupo,
em que as ligações familiares eram mais importantes do que a capacidade
profissional.
A terceira característica do grupo é a ausência de uma
verdadeira estratégia de médio prazo e gravíssimos problemas de governação e
honestidade. A dispersão por demasiados sectores, muitos dos quais onde não se
vislumbravam vantagens competitivas, é equivalente a uma ausência de
estratégia, que não seja crescer sem critério nem qualidade.
Julgo que a surpresa dos diferentes ramos da família sobre o
rumo que as coisas estavam a levar é genuína e que isso revela um problema
gravíssimo de governação. O amadorismo que tudo isto revela numa organização
desta dimensão é assustador.
Com todos estes ingredientes (excesso de endividamento,
fraca gestão e péssimo sistema de governação) chegámos à crise internacional de
2008, a maior das últimas oito décadas. Como todos os outros, o GES sofreu
perdas brutais. Os lucros (tornados até em prejuízos) deixem de ser capazes de
pagar os juros do endividamento, necessariamente crescente. No entanto, foi
decidido esconder parte dessas perdas. Quem o fez? Há muito poucas dúvidas que
tenha sido Ricardo Salgado a tomar essa decisão.
Há quem considere praticamente impossível que Ricardo
Salgado tenha feito o que fez sozinho, com a possível excepção de alguns
subordinados, que teriam apenas cumprido ordens. Pois considero que é
impossível que tenha feito isto com conhecimento dos seus pares. Em geral, a
confiança é algo de absolutamente essencial no negócio bancário e foi com base
na confiança que suscitava que o grupo se conseguiu reerguer, apesar de
completamente descapitalizado, a seguir às nacionalizações de 1975. É altamente
improvável que os outros ramos da família assistissem impávidos à destruição de
um valor essencial ao sucesso de uma dinastia já na quarta geração.
Uma questão que a todos intriga é: qual a verdadeira
motivação de Ricardo Salgado? Julgo que era a ambição de poder, manchada pela
incapacidade de pensamento estratégico ou a médio prazo.
No final de 2009, já no início da crise do euro, Ricardo
Salgado ainda defendia o TGV, ignorando todas as graves consequências de médio
prazo para a banca e o BES, de continuar a apostar no endividamento externo.
Em 2012, o GES já estava com graves problemas de
endividamento excessivo e ele cometeu a dupla loucura de se endividar mais para
controlar a Semapa e, pior ainda, comprar uma guerra com Pedro Queiroz Pereira.
Selou aí a sua sentença, na maior das inconsciências. O industrial reuniu num
volumoso todas as provas contra Ricardo Salgado, que entregou ao Banco de
Portugal, no Outono de 2013, o que desmascarou o banqueiro.
Em 2014, quando tudo já estava a arder e o Banco de Portugal
ditou o fim das ligações entre o GES e o BES, Ricardo Salgado ainda conseguiu
tomar novas decisões que destruíram ainda mais tudo o que sobrava. Só uma
pessoa totalmente incapaz de pensar a prazo é que poderia cometer tantos erros.
[Publicado no jornal “i”]
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