Portugal precisa de
mudar de regime e de constituição, que deve deixar de ser de facção para passar
a ser verdadeiramente nacional
O orçamento de 2015 não vai mais longe, em parte devido à
constituição, em outra parte devido à forma abusiva como o Tribunal
Constitucional a tem interpretado e em parte também devido às eleições do
próximo ano, que seriam sempre um travão, qualquer que fosse o governo.
Um dos traços comuns – e o mais infeliz – das constituições
portuguesas é o facto de se poderem encarar como constituições de uma facção e
não de todo o país. Pior ainda, em alguns casos, de uma parte minoritária
contra o resto do país.
As constituições de 1822 e de 1911 eram de facções
particularmente minoritárias e talvez também por isso tenham durado tão pouco
tempo. Focando-nos apenas nas constituições do século XX, tivemos a tal
constituição de 1911, de uma minoria republicana, urbana e anticlerical, contra
um país esmagadoramente rural e católico.
A constituição de 1933, corporativa, excluía todos os
outros: republicanos, monárquicos, democratas e comunistas.
A constituição de 1976 é um texto de esquerda, contra a
direita, não é uma constituição verdadeiramente nacional, porque não é
inclusiva, é de uma parte contra a outra.
Para além disso, impôs abusivas restrições nos limites
materiais de revisão constitucional. Como Saldanha Sanches (1944-2010) muito
bem formulou, quem escreveu esta lamentável constituição quis ser “dono do
futuro”.
Que regimes não democráticos tenham constituições de facção
é algo não deve surpreender, dada a natureza desses regimes. Mas que isso
aconteça num regime democrático é um contra-senso e um profundo desrespeito
pelo próprio ideal democrático. Conseguem imaginar a constituição alemã a dizer
que se destina a “abrir caminho para uma sociedade democrata-cristã”? Não seria
isso profundamente chocante e antidemocrático? E não é isso que temos no nosso
país?
Portugal precisa de mudar de regime e de constituição, que
deve deixar de ser de facção para passar a ser verdadeiramente nacional.
A 3ª república é um regime que já está podre há vários anos
e que deveria terminar. São múltiplas (demasiadas!) as instituições do regime
que lançam um cheiro fétido por todo o lado. Infelizmente, ainda que os
sucessivos regimes portugueses tenham caído de podre, essa putrefacção durou longos
anos.
No entanto, julgo que os próximos tempos são propícios para
a destruição final do regime. O fraquíssimo governo de coligação que temos tido
teve a utilíssima função de descredibilizar o PSD e o CDS, que deverão sofrer
um forte castigo nas próximas eleições.
Mesmo assim, é duvidoso que António Costa consiga alcançar a
maioria absoluta, porque em algum momento dos próximos 12 meses vai ter que
começar a ser mais concreto no que pretende fazer no governo. Se optar por
nunca se comprometer, também assim não alcançará a maioria absoluta, porque o
tempo dos cheques em branco já passou.
Assim sendo, será forçado a um governo de bloco central,
provavelmente sem o CDS, que não tem absolutamente nenhum interesse em se
queimar ainda mais. Esse governo de bloco central, provavelmente sem Passos
Coelho, será obrigado a continuar a austeridade dos últimos anos. A profunda
desilusão que isso constituirá não fará mal apenas aos membros do governo, mas
descredibilizará ainda mais os próprios partidos e o regime.
Para além de tudo isto, que não é pouco, julgo que aquilo
que dará a estocada final no regime será o julgamento de Ricardo Salgado. Como
a ponta do iceberg sugere, parece que terá feito de tudo e com todos. Como bem
diz o ditado: “zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades”. Parece que é
isso que virá a acontecer naquele que se deve transformar no mais mediático
caso de sempre da justiça portuguesa, com episódios diários, todos eles contribuindo
para o generalizado descrédito do regime e dos seus principais
protagonistas.
Este julgamento tem todo o potencial para ser o equivalente
ao caso “Mãos limpas” em Itália, que destruiu todo o sistema partidário do
pós-guerra. Deus queira que sim e que se crie um novo regime baseado numa
constituição verdadeiramente nacional.
[Publicado no jornal “i”]
Sem comentários:
Enviar um comentário