O consumismo é uma das
maiores ameaças de longo prazo ao nosso planeta, que vamos deixar aos nossos
filhos.
Apesar dos ajustamentos realizados durante o programa da troika, Portugal continua a exibir um
nível de consumo excessivo (em percentagem do PIB), muito acima da média da
zona do euro. Se mantivermos o actual nível de consumo, quando o investimento
começar a recuperar, como precisamos desesperadamente que aconteça (o actual
nível de investimento é insuficiente para repor o stock de capital), voltaremos
aos défices externos. Isto seria colocar em causa um dos maiores sucessos do
nosso ajustamento e a principal razão porque fomos forçados a pedir ajuda à troika.
Assim, precisamos de consumir menos e poupar mais, para
podermos financiar, sem problemas, o investimento de que precisamos para voltar
a crescer, o desígnio unânime de todos os partidos políticos.
Olhando a mais longo prazo, é evidente que o consumismo,
sobretudo de bens materiais, está a fazer uma pressão terrível sobre o planeta e
já estamos numa trajectória insustentável.
Em resumo, há razões de longo e de curto prazo que
recomendam – fortemente – que reduzamos o nosso consumo e aumentemos a
poupança.
Por tudo isto, precisamos de conduzir campanhas
anti-consumismo nas nossas escolas. É escandaloso que, sendo as crianças e os
jovens as maiores vítimas potenciais do nosso actual e futuro consumismo, elas
sejam estimuladas a participar naquilo que tem mais condições de deteriorar o
mundo que vão herdar.
Com a ajuda dos professores de ciências da natureza e
ambiente, é urgente instalar nas escolas um ambiente anti-consumismo. Em geral,
sou contra obrigações e proibições, preferindo incentivos e desincentivos, que
respeitam mais a liberdade, sem (em geral) grandes estragos na eficácia das
políticas. Mas, neste caso, em que o que está em causa é a própria
sobrevivência do homem no planeta, defendo – excepcionalmente – que sejam
introduzidas proibições e obrigações.
Deve passar a ser proibido levar para os estabelecimentos de
ensino o último e mais caro modelo de telemóvel e outros gadgets. No caso da roupa sou mais flexível: em vez de proibição,
sugiro o pagamento de uma taxa de luxo sobre a roupa de marca mais cara.
Deve-se promover a reciclagem de todo o material escolar, como se passa no
Norte da Europa. É absurdo que, sendo nós mais pobres, façamos vida de ricos.
Na verdade, o consumismo português tem raízes históricas
muito antigas. Já no século XVI Gil Vicente expunha o caso típico do nobre que
passava fome, para poder exibir roupas vistosas. No século XVII, foram
introduzidas várias leis contra o luxo (as “pragmáticas”), sem grande sucesso.
No século XVIII, aquilo que hoje designamos por redistribuição do rendimento
era feito ao contrário do que é actualmente: eram as mais importantes famílias
nobres, que recebiam as maiores transferências do Estado. Mesmo assim, para
prover à “decente sustentação” dos Grandes, quase todas elas tinham as suas
finanças em muito mau estado.
Para além de tudo isto, o consumismo português tem uma
agravante: a baixa auto-estima nacional gera uma terrível atracção pelos bens
importados, de países que encaramos como “melhores” do que nós.
Parece-me útil salientar que esta baixa auto-estima, que
começa como uma predisposição subjectiva, acaba por ter consequências
objectivas, que reforçam aquela. A nossa baixa auto-estima desencadeia – com
demasiada facilidade – mecanismos de auto-sabotagem, que nos conduz a ficarmos
aquém do nosso potencial. Ao produzirmos algo que é objectivamente fraco,
reforçamos a baixa auto-estima, que aumenta a auto-sabotagem, que produz baixa
qualidade, num ciclo interminável.
Para terminar, gostaria de chamar à atenção para uma
questão, que pode ser olhada como uma forma encapotada de proteccionismo, mas
que coloco no plano ambiental. Prende-se com a pegada ecológica do transporte
dos produtos. Da forma mais bem-intencionada, comprei recentemente feijão
biológico. Só depois reparei que tinha origem na China e tinha sido embalado na
Alemanha. Provavelmente, passou ao largo na costa portuguesa, para depois
voltar de camião TIR da Alemanha, um absurdo.
[Publicado no jornal “i”]
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