quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Eleições à espreita

O (previsível) chumbo de Bruxelas à proposta de orçamento francês para 2015 pode bem liquidar o programa político de António Costa

Passos Coelho escolheu, inexplicavelmente, defender que o governo iria para além da troika. Se queria mesmo fazer isso, teria sido mais inteligente fazê-lo sem o alardear. Assim, conseguiu dar desculpas ao PS que, perante a afirmação genérica e pouco sensata do primeiro-ministro, até se conseguiu eximir aos termos do acordo da troika, que os socialistas assinaram. Para além disso, criou muitíssimo mais resistências, que dificultaram o sucesso do programa de ajustamento. Ainda hoje estou para perceber a lógica de tentar ser ainda mais impopular do que a troika.

Mais recentemente, as más explicações dadas sobre o caso Tecnoforma lançaram a suspeita inapagável de que não havia boas explicações. Outro mistério (ou talvez nem tanto) é a falta de inteligência política de manter o ministro da Educação, num sector que movimenta o maior número de funcionários do Estado, milhares de alunos e de famílias. Pior ainda, manter o secretário de Estado que, após os incompreensíveis prejuízos provocados em inúmeros professores, teve o supino descaramento de sugerir que estes se queixassem em tribunal.

Logo agora, que os tribunais estão num caos, atempadamente previsto pelo ex-chefe de gabinete da ministra da Justiça. O que leva um ministro a ignorar avisos dos seus mais próximos colaboradores, que se demitem muito antes da bronca estoirar? A ministra não percebeu a mensagem fortíssima dessa demissão? O que leva um primeiro-ministro a manter uma ministra que, todos os dias, destrói a credibilidade de um executivo já em apuros?

A própria coligação não está de boa saúde, como, aliás, nunca esteve. No final do mandato, Paulo Portas lembrou-se, tardia e inconsequentemente, que era o líder do “partido dos contribuintes”. O vice-primeiro-ministro conseguiu apresentar dez razões para baixar o IRS, nenhuma das quais inclui a redução da despesa pública, o que é mirabolante e revela o mundo de fantasia em que vive. Aliás, nem podia prever descida da despesa do Estado, porque Portas falhou rotundamente na sua reforma.

É verdade que ainda falta muito tempo para as eleições, uma eternidade em política, mas a coligação deverá apresentar-se em más condições aquando desse sufrágio.

Do lado do PS, só aparentemente as coisas estão melhores. Ferro Rodrigues, novo líder parlamentar do PS, veio pedir eleições antecipadas, sem oferecer absolutamente nada em troca. Isto é extraordinário, embora não exactamente surpreendente. Quando, há alguns meses, várias “personalidades”, sobretudo de esquerda, assinaram o manifesto de restruturação da dívida, também se propunham fazer esta proposta à “Europa”, sem que revelassem a menor sombra de uma contrapartida.

Esta forma de fazer política é um misto de arrogância, irrealismo e infantilismo. Desejar uma coisa e passar logo a sentir o direito de a receber. Como é possível imaginar que alguém, quem quer que seja, lhes vai dar o querem sem receber nada em troca? Poderiam ter o irrealismo de propor um negócio em que pedem 100 e estão dispostos a dar 10, mas é muito pior do que isso: oferecem zero em troca.

Uma das questões mais importantes dos próximos tempos será a avaliação europeia do orçamento francês. O (previsível) chumbo de Bruxelas à proposta de orçamento francês para 2015 pode bem liquidar o programa político de António Costa.

Mesmo que o orçamento gaulês não suscite objecções, toda a gente sabe que, na UE, a França e a Alemanha “são mais iguais do que os outros”. Por isso, faz todo o sentido esperar que Bruxelas se “vingue” nos pequenos países, em particular em Portugal, que deve imenso aos nossos parceiros, para que fique a imagem de que tem mesmo poder.

Bem pode António Costa defender uma leitura “inteligente” do Tratado Orçamental, quando o nosso país nem sequer cumpre o Tratado de Maastricht. É provável que a meta orçamental para 2015 (a ser divulgada hoje) seja de 2,9% do PIB, mas é ainda mais provável que o défice final fique acima dos 3%.

Aliás, se continuam estas inacreditáveis inundações em Lisboa, Costa pode ir perdendo gás nas sondagens.


[Publicado no jornal “i”]

1 comentário:

nuno granja disse...

Excelente como sempre!