É do interesse dos
pequenos accionistas do BES desistir de acções judiciais que possam reduzir o
valor do Novo Banco
Já me tinha constado que nos processos de falências e
similares grassava uma irracionalidade extrema entre os vários intervenientes,
que todos acabava por prejudicar. Os tribunais não deveriam dar gás aos
impulsos auto-destrutivos dos envolvidos nestes processos, mas os atrasos
proverbiais só destroem valor, agravando o que já não era favorável.
Um conjunto de pequenos accionistas do BES colocou uma acção
para impedir a venda dos activos do Novo Banco, entre outras coisas. Isto
parece-me um grande equívoco. Em primeiro lugar, estes accionistas esquecem que
eles ainda são donos do Novo Banco, no sentido em que aquilo que sobejar da
venda deste banco reverte para o BES.
É assim, do seu máximo interesse, que o processo de
saneamento do Novo Banco decorra com a maior normalidade possível e que não
haja a menor ameaça de litigância, que só serve para diminuir o valor daquela
venda, reduzindo a probabilidade de virem a receber qualquer tipo de valor.
Em segundo lugar, mesmo que o BES não tivesse sido dividido
em dois, é mais do que óbvio que estaria hoje a vender os activos cuja
transacção está em curso, para obter liquidez e realizar capital. Por isso, nem
sequer pode estar em causa a oportunidade do momento da venda, porque haveria
sempre urgência em fazê-lo. Mesmo aqueles que defendem que neste momento não é
a melhor altura para vender estão meramente a especular, porque não é possível
afirmar isso. Temos actualmente tantos pontos de fragilidade (Ucrânia, Estado
Islâmico, riscos de deflação na zona do euro, etc.) que ninguém pode assegurar
que daqui a um ano estaremos melhor do que agora.
É, aliás, muito duvidoso qual o tipo de benefício que
esperam obter desta acção judicial. Na verdade, os pequenos accionistas
deveriam fazer como nos EUA: só pagar honorários aos advogados se estes
conseguirem produzir resultados palpáveis em tempo útil. Deveriam pagar uma
certa percentagem das indemnizações obtidas, se elas chegarem até 24 meses,
contados a partir da primeira hora. A partir daí essa percentagem iria decaindo
até zero, ao fim de 60 meses. Se os advogados recusarem uma proposta desse
teor, isso deve esclarecer estes accionistas sobre a (falta de) utilidade desta
acção.
Devo acrescentar que considero que os advogados que vivem de
conflitos e não de soluções deveriam ser penalizados pelos tribunais.
Se tivéssemos um sistema de justiça decente, recomendaria
que processassem Ricardo Salgado, pela gestão incrivelmente danosa e contrária
aos interesses dos pequenos accionistas (e também do país, porque os custos
reputacionais para todos nós são gigantescos). Como temos esta tristeza de
justiça, não recomendo nada, deixo isso para os vossos advogados.
Tudo isto me recorda uma história sobre a justiça do rei
Salomão (Bíblia, I Reis, 3:16-28). Duas
mulheres disputavam a posse da mesma criança e foram pedir justiça ao rei. Como
não se entendiam, “disse o rei: Dividi em duas partes o menino vivo; e dai
metade a uma, e metade a outra”. Logo a verdadeira mãe exclamou: “Ah! senhor
meu, dai-lhe o menino vivo, e de modo nenhum o mateis. Porém a outra dizia: Nem
teu nem meu seja; dividi-o, antes.”. Face a isto, Salomão não teve dúvidas em
dar o filho à primeira mulher. “E todo o Israel ouviu a sentença que dera o
rei, e temeu ao rei; porque viram que havia nele a sabedoria de Deus, para
fazer justiça.”
Infelizmente, a acção judicial interposta pelos pequenos
accionistas do BES é um acto em tudo semelhante à da mulher que preferia ver a
criança morta, do que viva.
Têm aqui uma
oportunidade de ouro de dar uma bofetada de luva branca a todos os que se
portaram mal convosco, tendo um gesto da maior dignidade, da maior
responsabilidade – e, em simultâneo, protegendo os vossos interesses – ao terem
a nobreza e a elevação moral de desistirem desta vossa acção judicial.
[Publicado no jornal “i”]
4 comentários:
Muito bem pensado.
Gostei muito
Many thanks
Caro P. B. T.
Não ponho aqui muitos comentários para não o incomodar a autorizá-los e a sentir-se na obrigação de me responder.
Mas leio-os todos e distribuo-os por e-mail aos meus amigos.
É difícil gostar pouco de algum, normalmente gosto muito
Gosto, acima de tudo, do patamar da sua abordagem: bom senso, racionalidade, seriedade intelectual e rigor científico (tanto quanto é possível falar deste conceito em economia ou assuntos afins).
Estou convicto de que terá muitos leitores (não comentadores) como eu.
Os seus textos fazem-nos falta, são algumas das boias de salvação no mar encapelado de sectarismo, falta de inteligência e estupidez da maioria da blogosfera.
A demagogia e a luta político-partidária que imperam às vezes fazem-me pensar: será que vivemos todos no mesmo país? Que, independentemente das ideias de cada um, temos interesses comuns?
Espero que não desista… que continue.
Obrigado.
Caro Manuel Silva,
Mais uma vez, muito obrigado pelas suas palavras e não se coiba de comentar.
Não me lembro de ter pensado desistir e fui convidado para escrever quinzenalmente para o Diário Económico.
Felicidades para si.
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