A ausência de reforma
da despesa pública deverá gerar um abuso crescente e revoltante da máquina
fiscal
Nos últimos dias saíram nos jornais duas notícias
revoltantes e relacionadas, porque ambas derivam do excesso de despesa pública
que temos em Portugal.
A primeira, referente a uma multa exorbitante (provavelmente
superior ao valor do terreno) por um proprietário ter, alegadamente, cometido
alguns excessos na limpeza do seu terreno silvícola, tem a ver com a
híper-regulamentação, que cria uma exército de funcionários públicos, cuja principal
função parece ser infernizar a vida dos cidadãos e empresas. Para além disso,
precisam de angariar receitas para financiar o seu funcionamento. Como essas
receitas são insuficientes, é necessária a intervenção do fisco, ao qual estão
a ser exigidas cada vez mais receitas, perante uma base tributária limitada.
Daí o segundo caso, o da penhora de uma casa própria, a uma
família muito humilde, quando estava em causa uma dívida fiscal inferior a 10%
do valor estimado da propriedade. Não interessa entrar nos detalhes dos casos
particulares, porque não é isso que está em causa.
Estamos perante um fisco desesperado em obter receitas, que
deixou de olhar a meios para o conseguir. Por seu turno, este desespero decorre
– directamente – da ausência de uma verdadeira reforma da despesa pública. Já
não são apenas as taxas de imposto que vão subindo, é mesmo a ferocidade da
máquina fiscal que está imparável.
Por isso, é natural, e esse é o caminho que vamos percorrer
nos próximos tempos (se nada mudar), um abuso crescente da máquina fiscal. Isso
não é efeito desta ou daquela lei, duma maior ou menor diligência por parte
deste ou daquele funcionário, decorre antes duma despesa pública não
domesticada. Não pensem que legislar vai resolver este problema, porque a
verdadeira fonte do problema (uma sede insaciável de receitas fiscais) o vai
fazer manifestar-se noutro lado qualquer.
Se se mantiver esta ausência de reforma da despesa pública,
julgo que duas coisas são previsíveis. Em primeiro lugar, uma animosidade
crescente contra a administração pública, que impõe (ou é forçada a impor, mas
isso o cidadão comum não percebe) regras estapafúrdias. Em segundo lugar, e em
particular, uma revolta crescente contra a administração fiscal. Aliás, a
recente legislação que aumenta as penalizações sobre quem insulte ou agrida dos
funcionários do fisco é já um sinal por demais evidente de que a frequência e
gravidade destas situações se tem intensificado.
Dito de outro modo, se a reforma da despesa pública não for
feita a bem, será feita à bruta, com um apoio eleitoral crescente, contra uma
administração pública cada vez menos respeitada. Um recado final (quase inútil)
para os sindicatos da função pública: apoiem soluções enquanto é tempo, evitem
que se chegue ao ponto de ruptura.
[Publicado no DiárioEconómico]
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