segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Revoltante

A ausência de reforma da despesa pública deverá gerar um abuso crescente e revoltante da máquina fiscal

Nos últimos dias saíram nos jornais duas notícias revoltantes e relacionadas, porque ambas derivam do excesso de despesa pública que temos em Portugal.

A primeira, referente a uma multa exorbitante (provavelmente superior ao valor do terreno) por um proprietário ter, alegadamente, cometido alguns excessos na limpeza do seu terreno silvícola, tem a ver com a híper-regulamentação, que cria uma exército de funcionários públicos, cuja principal função parece ser infernizar a vida dos cidadãos e empresas. Para além disso, precisam de angariar receitas para financiar o seu funcionamento. Como essas receitas são insuficientes, é necessária a intervenção do fisco, ao qual estão a ser exigidas cada vez mais receitas, perante uma base tributária limitada.

Daí o segundo caso, o da penhora de uma casa própria, a uma família muito humilde, quando estava em causa uma dívida fiscal inferior a 10% do valor estimado da propriedade. Não interessa entrar nos detalhes dos casos particulares, porque não é isso que está em causa.

Estamos perante um fisco desesperado em obter receitas, que deixou de olhar a meios para o conseguir. Por seu turno, este desespero decorre – directamente – da ausência de uma verdadeira reforma da despesa pública. Já não são apenas as taxas de imposto que vão subindo, é mesmo a ferocidade da máquina fiscal que está imparável.

Por isso, é natural, e esse é o caminho que vamos percorrer nos próximos tempos (se nada mudar), um abuso crescente da máquina fiscal. Isso não é efeito desta ou daquela lei, duma maior ou menor diligência por parte deste ou daquele funcionário, decorre antes duma despesa pública não domesticada. Não pensem que legislar vai resolver este problema, porque a verdadeira fonte do problema (uma sede insaciável de receitas fiscais) o vai fazer manifestar-se noutro lado qualquer.

Se se mantiver esta ausência de reforma da despesa pública, julgo que duas coisas são previsíveis. Em primeiro lugar, uma animosidade crescente contra a administração pública, que impõe (ou é forçada a impor, mas isso o cidadão comum não percebe) regras estapafúrdias. Em segundo lugar, e em particular, uma revolta crescente contra a administração fiscal. Aliás, a recente legislação que aumenta as penalizações sobre quem insulte ou agrida dos funcionários do fisco é já um sinal por demais evidente de que a frequência e gravidade destas situações se tem intensificado.

Dito de outro modo, se a reforma da despesa pública não for feita a bem, será feita à bruta, com um apoio eleitoral crescente, contra uma administração pública cada vez menos respeitada. Um recado final (quase inútil) para os sindicatos da função pública: apoiem soluções enquanto é tempo, evitem que se chegue ao ponto de ruptura. 


[Publicado no DiárioEconómico]

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