A moção de António Costa ao Congresso do PS inicia-se mal,
dizendo que o partido “não aceita a perspetiva de que as dificuldades que
enfrentamos sejam responsabilidade de Portugal e dos portugueses”. Isto ainda
se poderia aceitar se em seguida assumisse que as responsabilidades são, no
essencial, dos governos do PS, liderados por António Guterres e José Sócrates.
Mas, como é evidente, não o faz.
Prossegue com muito pouco rigor, remetendo os nossos problemas
de fraco crescimento (que nem tem a coragem de explicitar) desde 2000, como
três choques externos (para quê complicar com “exógenos”?): “a integração da
China no comércio internacional; o alargamento da União Europeia a Leste e a
criação da moeda única”.
Antes de mais, convém esclarecer que um choque externo nunca
é apenas um choque externo: há sempre um conjunto de políticas públicas que o
precedem, que podem tornar o país mais robusto ou mais frágil no momento do
choque e há as políticas de resposta ao choque, que o podem minimizar ou
maximizar.
Comecemos por precisar as datas daqueles choques, para se
perceber quão forçada é a sua alegação. O euro iniciou-se em 1999, o
alargamento a Leste ocorreu em 2004 e a China registava crescimento de dois dígitos
das exportações desde o início dos anos 90.
Para além disso, convém salientar que estes três choques
foram anunciados com uma enorme antecedência. A criação do euro foi
estabelecida no Tratado de Maastricht, em 1992; o alargamento da UE ao Leste
europeu foi o culminar de um processo, iniciado com a queda do muro de Berlim
em 1989; a adesão da China à globalização começou com as reformas conduzidas
por Deng Xiaoping, desde 1978.
É mais do que evidente que nenhum governo português pode
alegar que, de repente, no ano 2000, o país foi confrontado com mudanças
inesperadas, para as quais era impossível estar preparado.
Nem sequer têm a desculpa de que não havia dinheiro para
tomar medidas, porque os anos anteriores à adesão ao euro foram de vacas
gordíssimas, cujo leite foi derramado sem a menor estratégia sobre
auto-estradas (quase) sem tráfego, estádios de futebol, aumento do emprego
público com baixas qualificações, etc.
Se António Costa acha que não se podia ter feito nada antes
dos choques externos, quando havia tempo e dinheiro, o que é que tem agora para
oferecer?
Em relação à crise de 2008-2009, culpa-se a paragem dos
fluxos de capitais externos, como se fosse possível algum país viver
permanentemente com défices externos elevadíssimos e uma dívida externa
galopante, de cerca de 8% do PIB em 1995 para 110% em 2009. Vivíamos num
“modelo” de não-crescimento insustentável, que teria sempre de ser
interrompido.
Ao não assumir responsabilidades pelo passado, o PS só pode
repetir os erros dos seus governos anteriores e preparar-se para um segundo
pedido de resgate à troika.
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