quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Teimosias

Em política, e não só, há teimosias fatais

 

Em política, e não só, é essencial distinguir entre firmeza de propósito e uma mera teimosia irracional e contraproducente.

Goste-se ou não da personagem e das suas políticas, tem que se reconhecer que Margaret Thatcher foi uma das personagens marcantes do final do século XX. Foi uma das re-introdutoras do liberalismo na acção política, de forma muito mais coerente do que Reagan, e actuou com uma notável eficácia e clareza. Se há algo de que não pode ser acusada é de ser cinzenta, sem ideias, troca-tintas, igual aos outros, não trazer nada de novo, etc. Repito: pode-se não gostar dela, mas é impossível considerar o seu consulado uma irrelevância.

Vou aproveitar dois momentos do seu governo para ilustrar a distinção entre firmeza de propósito e teimosia.

Quando foi eleita primeira-ministra, em Maio de 1979, herdou uma economia debilitada, excessivamente regulamentada por sucessivos governos trabalhistas, que, entre outras coisas, tinham feito enormes concessões aos sindicatos, que tinham um papel preponderante neste partido.

Partidária de uma política económica totalmente diferente, Thatcher lançou um vastíssimo programa de liberalização da economia, que incluía privatizações e desregulamentação dos mais variados sectores.

Uma das mais fortes oposições a estas reformas era corporizada pelo sindicato dos mineiros de carvão, cujo poder era considerado inexpugnável, e que faziam com que a indústria britânica tivesse que suportar custos de energia muito superiores aos seus competidores, colocando graves problemas de competitividade e limites ao crescimento económico.

Em absoluta coerência com o programa eleitoral que já lhe tinha assegurado duas vitórias nas urnas e aproveitando um momento propício em que as reservas de carvão do país eram substanciais, a primeira-ministra do Reino Unido atacou de forma decisiva o poder dos sindicatos mineiros, anunciando o fecho das minas que tinham deixado de ser competitivas.

Seguiu-se a mais extraordinária greve, com um longuíssimo braço de ferro entre o governo e os mineiros, que durou um ano.

É extremamente curioso como a teimosia dos mineiros, que não aceitavam qualquer tipo de compromisso, acabou por ajudar Thatcher a desmantelar de forma muito mais drástica as regulamentações do sector.

Esta greve, que certamente ajudou a cimentar a ideia de “Lady de Ferro”, derrotou também um dos principais pilares do partido trabalhista (os sindicatos), que teve que se reinventar à conta disso.

É evidente que o que estava em jogo nesta greve era muitíssimo mais do que os trabalhadores do carvão e é, por isso, inteiramente compreensível a firmeza de propósito que Thatcher mostrou em todo o processo, que poderia ter decorrido de forma muito diferente se outro fosse o chefe do governo.

Ainda que possa parecer, não se está aqui a fazer a apologia desta forma brutal de agir, embora, em alguns sentidos, Thatcher seja uma inspiração para Passos Coelho.

Já no final do mandato, para além de outras fontes de contestação, a chefe do governo britânico tentou mudar a tributação local, que passaria a ser independente do rendimento/património. Apesar da fortíssima oposição popular, ela insistia na mudança. Os deputados conservadores, vendo o seu lugar crescentemente em risco, acabaram por promover sucessivas eleições internas, que acabaram por retirar o poder a Thatcher.

Reparem na diferença: no Reino Unido, os deputados sentem o poder de destronar o seu líder, mesmo que chefe do executivo, quando este está em queda nas sondagens; em Portugal, os deputados são paus-mandados, que cometeram as loucuras de, no PSD, levar Santana Lopes às urnas em 2005 e, não tão delirante, no PS, propor a reeleição de Sócrates em 2009.

É evidente que, no final de mandato, Thatcher estava a agir por pura teimosia, ignorando as consequências políticas da sua insistência, ao contrário do que tinha feito no caso dos mineiros.

No caso de Passos Coelho e da manutenção de Nuno Crato e Paula Teixeira da Cruz no governo, qual das duas atitudes de Thatcher estará ele a imitar?


[Publicado no jornal “i”]

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