Os próximos tempos
serão penosos por serem o estertor final da 3ª República, mas também
libertadores porque preparam novos tempos melhores
Sou contra eleições legislativas antecipadas pelas
piores/melhores razões. Se se respeitarem os calendários eleitorais (a
propósito, porque é que o PS não propõe uma alteração da lei eleitoral?), mais
difícil será a António Costa obter uma maioria absoluta. Isto porque quanto
mais tempo passar, mais clara se tornará a sua vacuidade e ausência de
alternativa, já que ele não se atreve a propor nada, muito menos o que seria
uma genuína diferença: sair do euro. Do lado do governo, caso se liberte desta
atracção pela trapalhada e pela teimosia em manter ministros “queimados”,
poderia começar a recuperar estragos, aproveitando a tímida recuperação
económica.
Um próximo governo do PS sem maioria absoluta e em
coligação, previsivelmente com o PSD, deverá ser altamente instável. Ao imitar
Hollande, engolindo tudo o que (ainda que vagamente) prometeu, António Costa
perderá rapidamente legitimidade e o seu executivo ficará dependente do
parceiro de coligação para sobreviver. As pressões alemãs sobre os orçamentos
francês e italiano para 2015 mostram bem a ínfima margem de manobra do próximo
executivo.
A frustração com o novo governo, por este continuar com a
austeridade; a sua mesmice genérica; a sua incapacidade em produzir resultados
(o PS é anti-reformas e não é como parceiro júnior que o PSD vai fazer o que
não fez quando liderava o executivo) e a sua instabilidade crónica têm todas as
condições para destruir não só os seus protagonistas, mas também os partidos
que o apoiam. Como estes têm sido a base do “rotativismo” do regime, é o
próprio regime que estará em causa.
Porque é que este cenário, próximo de catastrófico, é bom?
Porque permitirá o fim da 3ª República e o início da 4ª República, que deverá
ser um 25 de Abril numa “oitava acima”, com uma democracia verdadeiramente
participativa.
Não me venham com a conversa do que se fez nos últimos 40
anos, porque qualquer regime teria feito necessariamente muito, sobretudo se
ajudado pela cornucópia de fundos comunitários. Se acham que isso faz algum
sentido, comparem os mais variados indicadores (taxa de escolarização,
analfabetismo, esperança e vida à nascença, mortalidade infantil, etc.) entre o
início (1926) e o fim (1974) da 2ª República. Como é evidente, irão encontrar
enormes melhorias.
Aliás, a 3ª República não só desperdiçou uma enorme
quantidade de fundos europeus (desperdiçar não quer dizer não gastar, mas sim
gastar em disparates que só trazem encargos futuros), como conseguiu a mais do
que duvidosa proeza de infectar o país desta gravíssima e raríssima doença que
é a divergência estrutural com a UE (crescer menos do que os outros), que já
dura há 15 anos. Esta enfermidade é gravíssima, porque sem crescimento tudo
fica posto em causa: emprego, Estado social, sustentabilidade da dívida, etc. É
raríssima, porque é contra a teoria e a prática: os mais pobres de um grupo que
partilha muito em comum, como a UE, e ainda por cima recebe fundos para
convergir, não são suposto – de modo algum – estarem a divergir, ainda por cima
durante tanto tempo. E Portugal é caso único na UE, entre os mais pobres, onde
isso se verifica.
Por tudo isto, a que acresce esse feito “invejável” de ter
conseguido três “quase bancarrotas” em menos de quatro décadas, parece-me mais
do que suficiente para colocar um ponto final neste regime, que já há muito
está podre.
Como venho dizendo, acredito que o inquérito parlamentar ao
caso BES e o previsível julgamento de Ricardo Salgado também deverão ajudar a
trazer à superfície muita da porcaria em que o regime se tem baseado. A 3ª
República transformou-se num conjunto de instituições extractivas, sugando
rendas e dinheiros públicos nos mais inconcebíveis contratos, até hoje
inexplicavelmente ainda não investigados, quando os seus termos mais do que
indiciam corrupção.
Os tempos que se avizinham parece que em tudo ajudarão a que
este regime termine sem deixar saudades. A única coisa que poderá deixar
saudades serão os sonhos iniciais, a fraternidade dos primeiros momentos que,
ainda por cima, nem sequer duraram muito tempo.
[Publicado no jornal “i”]
Sem comentários:
Enviar um comentário