quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Anos finais

Os próximos tempos serão penosos por serem o estertor final da 3ª República, mas também libertadores porque preparam novos tempos melhores

Sou contra eleições legislativas antecipadas pelas piores/melhores razões. Se se respeitarem os calendários eleitorais (a propósito, porque é que o PS não propõe uma alteração da lei eleitoral?), mais difícil será a António Costa obter uma maioria absoluta. Isto porque quanto mais tempo passar, mais clara se tornará a sua vacuidade e ausência de alternativa, já que ele não se atreve a propor nada, muito menos o que seria uma genuína diferença: sair do euro. Do lado do governo, caso se liberte desta atracção pela trapalhada e pela teimosia em manter ministros “queimados”, poderia começar a recuperar estragos, aproveitando a tímida recuperação económica.

Um próximo governo do PS sem maioria absoluta e em coligação, previsivelmente com o PSD, deverá ser altamente instável. Ao imitar Hollande, engolindo tudo o que (ainda que vagamente) prometeu, António Costa perderá rapidamente legitimidade e o seu executivo ficará dependente do parceiro de coligação para sobreviver. As pressões alemãs sobre os orçamentos francês e italiano para 2015 mostram bem a ínfima margem de manobra do próximo executivo.

A frustração com o novo governo, por este continuar com a austeridade; a sua mesmice genérica; a sua incapacidade em produzir resultados (o PS é anti-reformas e não é como parceiro júnior que o PSD vai fazer o que não fez quando liderava o executivo) e a sua instabilidade crónica têm todas as condições para destruir não só os seus protagonistas, mas também os partidos que o apoiam. Como estes têm sido a base do “rotativismo” do regime, é o próprio regime que estará em causa.

Porque é que este cenário, próximo de catastrófico, é bom? Porque permitirá o fim da 3ª República e o início da 4ª República, que deverá ser um 25 de Abril numa “oitava acima”, com uma democracia verdadeiramente participativa.

Não me venham com a conversa do que se fez nos últimos 40 anos, porque qualquer regime teria feito necessariamente muito, sobretudo se ajudado pela cornucópia de fundos comunitários. Se acham que isso faz algum sentido, comparem os mais variados indicadores (taxa de escolarização, analfabetismo, esperança e vida à nascença, mortalidade infantil, etc.) entre o início (1926) e o fim (1974) da 2ª República. Como é evidente, irão encontrar enormes melhorias.

Aliás, a 3ª República não só desperdiçou uma enorme quantidade de fundos europeus (desperdiçar não quer dizer não gastar, mas sim gastar em disparates que só trazem encargos futuros), como conseguiu a mais do que duvidosa proeza de infectar o país desta gravíssima e raríssima doença que é a divergência estrutural com a UE (crescer menos do que os outros), que já dura há 15 anos. Esta enfermidade é gravíssima, porque sem crescimento tudo fica posto em causa: emprego, Estado social, sustentabilidade da dívida, etc. É raríssima, porque é contra a teoria e a prática: os mais pobres de um grupo que partilha muito em comum, como a UE, e ainda por cima recebe fundos para convergir, não são suposto – de modo algum – estarem a divergir, ainda por cima durante tanto tempo. E Portugal é caso único na UE, entre os mais pobres, onde isso se verifica.

Por tudo isto, a que acresce esse feito “invejável” de ter conseguido três “quase bancarrotas” em menos de quatro décadas, parece-me mais do que suficiente para colocar um ponto final neste regime, que já há muito está podre.

Como venho dizendo, acredito que o inquérito parlamentar ao caso BES e o previsível julgamento de Ricardo Salgado também deverão ajudar a trazer à superfície muita da porcaria em que o regime se tem baseado. A 3ª República transformou-se num conjunto de instituições extractivas, sugando rendas e dinheiros públicos nos mais inconcebíveis contratos, até hoje inexplicavelmente ainda não investigados, quando os seus termos mais do que indiciam corrupção.

Os tempos que se avizinham parece que em tudo ajudarão a que este regime termine sem deixar saudades. A única coisa que poderá deixar saudades serão os sonhos iniciais, a fraternidade dos primeiros momentos que, ainda por cima, nem sequer duraram muito tempo.


[Publicado no jornal “i”]

Sem comentários: