Ou mudamos a Constituição ou saímos do euro
1. As subidas de impostos incluídas no DEO 2014-2018 são
apenas um aperitivo do que nos espera, pelo menos, nas duas próximas décadas.
Bem pode o governo tentar enganar-nos, mas julgo que nem o mais ferrenho militante
dos partidos da maioria não percebe o óbvio.
Estes aumentos de impostos resultam de duas causas: a
inépcia do governo e a Constituição. A incapacidade do governo resulta evidente
da ausência de uma sombra de reforma da despesa pública, quase três anos após
tomar posse, em circunstâncias dificílimas, que não só pediam como legitimavam
a tomada de medidas duras mas eficazes, logo no início do seu mandato.
A segunda causa reside na Constituição e, em particular, na
abstrusa interpretação que o Tribunal Constitucional (TC) tem vindo a fazer
dela, em especial no menosprezo pelas restrições impostas pelos tratados
internacionais assinados pelo Estado português, com um larguíssimo consenso
parlamentar, em particular o Tratado de Maastricht de 1992, e o Tratado
Orçamental de 2012.
Estes tratados impõem uma forte redução dos défices
orçamentais e deverão obrigar a uma apertadíssima disciplina orçamental
durante, pelo menos, mais vinte anos. Para além disso, mesmo após o cumprimento
das exigentes metas destes tratados, Portugal continuará sujeito a uma forte
pressão sobre as contas públicas, devido ao envelhecimento da população, que
gerará dificuldades brutais, pelo seu impacto sobre a saúde e as pensões.
Mas, de acordo com a absurda leitura que o TC faz da Constituição,
cortes permanentes da despesa são inconstitucionais, pelo que só nos restaria
uma continuada e sufocante subida de impostos nas próximas décadas.
Este cenário é uma loucura em termos económicos, para além
de ser uma escandalosa injustiça, quando os trabalhadores com mais baixos
salários são obrigados a pagar impostos crescentes para manter intocadas
generosíssimas pensões públicas, que não têm nada a ver com as carreiras
contributivas de quem as recebe.
Por tudo isto, é óbvia a conclusão: ou Portugal adapta a
Constituição às condições exigidas à permanência no euro, ou saímos do euro.
2. As redes sociais andam – muito legitimamente – inflamadas
com uma multa aplicada a um músico de rua em Lisboa que, logo da primeira vez
que foi abordado, desconhecendo a absurda regulamentação camarária, foi multado
por não ter licença para o fazer. Porque é que existe a necessidade desta
licença? Por acaso o funcionário municipal que passa a licença exige provas de
que o músico seja afinado? Tem este funcionário a menor habilitação para o
fazer?
Este caso é excelente para exemplificar o Estado anti-social
que temos. Também sugere a reforma da despesa pública que é urgente
concretizar.
Estamos perante um caso de perfeito masoquismo fiscal.
Pagamos impostos para pagar uma administração pública que exige coisas sem
sentido. Depois, pagamos mais impostos para financiar uma polícia municipal,
que se entretém com questões de lana caprina, para reprimir actividades com um
alto valor acrescentado em termos turísticos, um sector com uma das maiores
potencialidades de nos retirar do buraco em que estamos.
Tudo isto não é obviamente errado? Pagar impostos para que o
Estado reprima as hipóteses do nosso sucesso não é o mais disparatado dos
erros? Nós, cidadãos, podemos continuar a tolerar isto? Queremos mesmo pagar
impostos para subsidiar o absurdo? Queremos pagar impostos para criar miséria?
Digam de vossa justiça.
[Publicado no jornal “i”]
1 comentário:
É evidente que é uma estupidez considerar inconstitucional os cortes nominais feitos em diversas despesas Publicas, quando os mesmos feitos através da inflacção não são inconstitucionais.
Mas também é evidente que o "ajustamento" feito através da inflacção é muito mais uniforme que o "ajustamento" nominal selectivo que tem vindo a ser feito. Pois, enquanto a inflacção atinge todos, ou quase todos: já os cortes selectivos e os aumentos de impostos, atingem apenas os parvos que declaram ao fisco os rendimentos reais - ou seja, os expertos que declaram rendimentos muito inferiores aos reais, ou não declaram nada, pouco são atingidos pelo ajustamento.
...Muitos comentadores esquecem-se que em PT há uma grande diferença entre os rendimentos reais e os rendimentos declarados, em muitos sectores.
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