quarta-feira, 7 de maio de 2014

Constituição inadaptada

 Ou mudamos a Constituição ou saímos do euro

1. As subidas de impostos incluídas no DEO 2014-2018 são apenas um aperitivo do que nos espera, pelo menos, nas duas próximas décadas. Bem pode o governo tentar enganar-nos, mas julgo que nem o mais ferrenho militante dos partidos da maioria não percebe o óbvio.

Estes aumentos de impostos resultam de duas causas: a inépcia do governo e a Constituição. A incapacidade do governo resulta evidente da ausência de uma sombra de reforma da despesa pública, quase três anos após tomar posse, em circunstâncias dificílimas, que não só pediam como legitimavam a tomada de medidas duras mas eficazes, logo no início do seu mandato.

A segunda causa reside na Constituição e, em particular, na abstrusa interpretação que o Tribunal Constitucional (TC) tem vindo a fazer dela, em especial no menosprezo pelas restrições impostas pelos tratados internacionais assinados pelo Estado português, com um larguíssimo consenso parlamentar, em particular o Tratado de Maastricht de 1992, e o Tratado Orçamental de 2012.

Estes tratados impõem uma forte redução dos défices orçamentais e deverão obrigar a uma apertadíssima disciplina orçamental durante, pelo menos, mais vinte anos. Para além disso, mesmo após o cumprimento das exigentes metas destes tratados, Portugal continuará sujeito a uma forte pressão sobre as contas públicas, devido ao envelhecimento da população, que gerará dificuldades brutais, pelo seu impacto sobre a saúde e as pensões.

Mas, de acordo com a absurda leitura que o TC faz da Constituição, cortes permanentes da despesa são inconstitucionais, pelo que só nos restaria uma continuada e sufocante subida de impostos nas próximas décadas.

Este cenário é uma loucura em termos económicos, para além de ser uma escandalosa injustiça, quando os trabalhadores com mais baixos salários são obrigados a pagar impostos crescentes para manter intocadas generosíssimas pensões públicas, que não têm nada a ver com as carreiras contributivas de quem as recebe.
Por tudo isto, é óbvia a conclusão: ou Portugal adapta a Constituição às condições exigidas à permanência no euro, ou saímos do euro.

2. As redes sociais andam – muito legitimamente – inflamadas com uma multa aplicada a um músico de rua em Lisboa que, logo da primeira vez que foi abordado, desconhecendo a absurda regulamentação camarária, foi multado por não ter licença para o fazer. Porque é que existe a necessidade desta licença? Por acaso o funcionário municipal que passa a licença exige provas de que o músico seja afinado? Tem este funcionário a menor habilitação para o fazer?

Este caso é excelente para exemplificar o Estado anti-social que temos. Também sugere a reforma da despesa pública que é urgente concretizar.

Estamos perante um caso de perfeito masoquismo fiscal. Pagamos impostos para pagar uma administração pública que exige coisas sem sentido. Depois, pagamos mais impostos para financiar uma polícia municipal, que se entretém com questões de lana caprina, para reprimir actividades com um alto valor acrescentado em termos turísticos, um sector com uma das maiores potencialidades de nos retirar do buraco em que estamos.
Tudo isto não é obviamente errado? Pagar impostos para que o Estado reprima as hipóteses do nosso sucesso não é o mais disparatado dos erros? Nós, cidadãos, podemos continuar a tolerar isto? Queremos mesmo pagar impostos para subsidiar o absurdo? Queremos pagar impostos para criar miséria? Digam de vossa justiça.


[Publicado no jornal “i”]

1 comentário:

Anónimo disse...

É evidente que é uma estupidez considerar inconstitucional os cortes nominais feitos em diversas despesas Publicas, quando os mesmos feitos através da inflacção não são inconstitucionais.
Mas também é evidente que o "ajustamento" feito através da inflacção é muito mais uniforme que o "ajustamento" nominal selectivo que tem vindo a ser feito. Pois, enquanto a inflacção atinge todos, ou quase todos: já os cortes selectivos e os aumentos de impostos, atingem apenas os parvos que declaram ao fisco os rendimentos reais - ou seja, os expertos que declaram rendimentos muito inferiores aos reais, ou não declaram nada, pouco são atingidos pelo ajustamento.
...Muitos comentadores esquecem-se que em PT há uma grande diferença entre os rendimentos reais e os rendimentos declarados, em muitos sectores.