Parece que a troika é
que é o problema e que não foram os nossos erros que nos obrigaram a pedir
ajuda
Ao chegar ao fim o programa de resgate da troika, estamos perante um país
profundamente desfocado.
Parece que para a maioria dos portugueses e, pior ainda, das
“elites”, o principal problema do país são os estragos provocados pela troika. A votação do eleitorado, nas
últimas décadas, em governos desastrosos, que nos atiraram para os braços da troika, não constitui o menor problema,
o que é mesmo grave é a troika.
Toda a incompetência, irresponsabilidade e corrupção dos
governos das últimas décadas é uma questão de somenos. Fizeram-se os mais
ruinosos – e suspeitos –contratos públicos, mas o problema mesmo foi a troika. Em vez de enfrentarmos o
dificílimo desafio da globalização, andámos a construir estradas sem tráfego e
estádios de futebol, mas a Merkel é que é má.
Isto é o equivalente a uma pessoa que fumava três maços de
cigarros por dia e que desenvolveu um cancro no pulmão culpar a quimioterapia
pelo seu sofrimento. Como se a quimioterapia tivesse caído do céu, por puro
sadismo médico, e houvesse uma óbvia alternativa indolor, talvez tomar uma
chávena de chá esverdeado com raspas de limão ao pequeno-almoço, almoço e
jantar. E já há quem defenda que devemos voltar a fumar dois ou três maços de
tabaco por dia.
Em relação ao nosso – grave – problema de (falta de)
crescimento, o desnorte não poderia ser maior. Há 15 anos que Portugal enfrenta
um problema gravíssimo e raríssimo de fraco crescimento, que nos colocou numa
trajectória de divergência estrutural da UE, apesar de estarmos a receber
fundos comunitários, com o propósito de convergirmos. Apesar destes desastrosos
resultados, parece que ainda ninguém colocou em causa o destino disparatado que
tem sido dado a estes fundos, sempre na ânsia de inventar “investimentos”
absurdos, para “aproveitar os fundos europeus”.
Parece que a falta de crescimento económico surgiu com a
“malvada” troika e que antes disso
vivíamos no paraíso, sem a necessidade da mais leve correcção.
O capítulo das reformas estruturais da troika, que nos permitiriam – talvez – voltar a crescer de forma
robusta, foi desvalorizado pelo governo e completamente ignorado e atacado por
todas as corporações e interesses, empenhadas em permanecer as mais gulosas
sanguessugas do Estado e dos contribuintes.
Nada é mais surreal do que isto. Em vez de sermos nós a
preocuparmo-nos com a nossa saúde, são os nossos credores que, contra a “nossa”
vontade, mais se preocupam com a nossa saúde. Eles bem tentam que deixemos de
fumar, mas “nós” insistimos em voltar a fumar o máximo de cigarros possível.
Parece que estamos empenhados em maximizar a cigarra em “nós” e em minimizar a
formiga.
Os curandeiros nacionais, numa visão caricatural da teoria
keynesiana, insistem em que o nosso problema de crescimento reside na falta de
procura, apesar de o nosso crescimento miserável dos últimos 15 anos ter
convivido, quase sempre, com um excesso de procura, obviamente visível nos
nossos gigantescos défices externos, recentemente corrigidos.
É evidente que a austeridade teve o seu impacto recessivo,
mas não é o fim da austeridade que nos vai trazer o crescimento de volta,
porque o essencial desse problema é muito mais antigo e está do lado da oferta
e não da procura.
Andam para aí umas discussões de mudar umas décimas à
austeridade, como se isso mudasse alguma coisa de essencial, quando é uma
questão completamente à margem do que é fundamental.
Para voltarmos a crescer a sério temos que nos tornar
verdadeiramente atraentes para o investimento directo externo (IDE). Menos
austeridade para gastar dinheiro em coisas que tornem Portugal mais atraente
para o IDE faz todo o sentido. Menos austeridade para adiar reformas da despesa
pública não faz sentido nenhum.
Parece que os portugueses não aprenderam nada com aquilo que
nos levou à troika e que caminhamos,
na maior das inconsciências, para o quarto resgate externo desde o 25 de Abril.
1 comentário:
Já fui seu aluno, há uma série de anos, e já nada me choca. Tanta gente errada e só meia dúzia é que estão certos? Existe uma grande falta de ética na teoria económica actual.
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