quarta-feira, 28 de maio de 2014

Consequências eleitorais

A nível europeu, destaca-se a subida do voto de protesto e a derrota dos socialistas, deixando mais longe algumas soluções para o euro

A nível geral, podemos destacar duas ideias das recentes eleições para o parlamento europeu. Em primeiro lugar, como esperado, a dimensão do voto mais radical, mais fora do sistema. A Grécia conseguiu a maior “proeza” neste campeonato, tendo a extrema-esquerda ficado em primeiro lugar e a extrema-direita em terceiro.

Há um profundo descontentamento com a forma como a UE se tem apoderado de soberania, com transferências de poder que não foram submetidas a voto popular, desde os chumbos de 2005 ao tratado constitucional em França e na Holanda. Em vez de recuarem, os líderes europeus insistiram numa integração forçada, tendo o último elemento sido o Tratado Orçamental de 2012, que introduziu um espartilho sobre os orçamentos nacionais, que constitui uma afronta à soberania nacional.

Assim sendo, a dimensão do voto anti-UE é consequência directa da forma como, primeiro, não se ouviu o que os eleitores disseram e, segundo, deixou-se de os ouvir completamente, com novos tratados não submetidos a referendo.

É verdade que estes partidos de protesto têm opiniões muito diversas entre si, mas é de admitir que introduzam muita perturbação, quer na UE, quer no euro. É difícil imaginá-los a construir soluções, por isso é mais provável que tornem tudo mais complicado.

Mas há uma outra questão que não pode ser ignorada. É impossível que os partidos do centro, após os rombos eleitorais que sofreram, resistam à tentação de adoptar algumas das bandeiras mais populares daqueles partidos. Sarkozy já veio fazer uma proposta inacreditável, de limitação da imigração e de redução do poder dos países mais pequenos. Esta ideia até pode não se concretizar, mas parece-me que este é apenas um dos exemplos do tipo de resposta que os partidos do centro tentarão para estancar a hemorragia de votos. Aliás, a segunda parte sugerida pelo ex-presidente francês tem todas as condições para aumentar o voto anti-euro em vários países.

A segunda ideia a retirar destas eleições é a fraca prestação dos socialistas europeus. Para um continente mergulhado na austeridade, é surpreendente que os paladinos da luta contra a austeridade tenham tão mau resultado. É evidente que isto se deve ao facto de que os socialistas só tem sido contra a austeridade quando estão na oposição, já que quando estão no poder têm sido forçados a tanta ou mais austeridade do que a direita.

A consequência principal desta derrota socialista é que todas as ideias de mais solidariedade europeia (euro-obrigações, subsídios de desemprego pagos pela UE, etc.) ficaram mais longe.
Em relação a Portugal, o voto de protesto também se verificou, com os partidos do arco da governação a atingirem um mínimo histórico, não chegando aos 60%. No entanto, verificou-se também uma pulverização deste mesmo protesto.

Os partidos da maioria tiveram um resultado muito baixo, facilmente explicado pelos últimos três anos de austeridade. Já a percentagem de votos obtidos pelo PS fica muito abaixo do conseguido por outros partidos na oposição quando o país vivia momentos muito menos penosos do que hoje. Daí a disponibilidade de António Costa para liderar o partido.

A principal novidade foi o sucesso eleitoral de Marinho Pinto, cuja associação ao MPT até lhe poderá ter custado votos, tão obscura é esta sigla. Sempre achei que o ex-bastonário da Ordem dos Advogados poderia ter uma carreira política, se o quisesse. Mas considero-o uma pessoa imprevisível.

Há políticos que são racionalmente populistas, procurando defender qualquer tese que tenha apoio popular, independentemente do que pensam sobre ela, sendo Paulo Portas o melhor exemplo deste tipo. Marinho Pinto parece ser emocionalmente populista, para além de ser muito idiossincrático. Ele acredita e sente tudo o que defende, uma amálgama com aceitação popular.

Já toda a gente anda a falar da inevitabilidade de um novo bloco central nas eleições legislativas de 2015, mas não é de descartar uma coligação PS-MPT.


[Publicado no jornal “i”]

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