Estamos num equilíbrio
estreito, beneficiando com os riscos de deflação, mas podendo ser muito
prejudicados, quer pela eliminação destes riscos, quer pela sua concretização
A deflação é o oposto da inflação. Quando há deflação, os
preços baixam de forma continuada. Para muitos, isto poderia ser visto como uma
vantagem, mas não é assim.
Comecemos com o problema de uma inflação muito baixa, que já
apresenta desvantagens assinaláveis. Para que os diferentes mercados de uma
economia estejam em equilíbrio é necessário que os preços evoluam de forma
diferenciada, porque a procura não varia uniformemente em todos os mercados e
os progressos tecnológicos e os custos também variam de forma específica a cada
mercado. Em particular, são necessárias variações dos salários reais
(corrigidos da inflação) que, em alguns casos, necessitariam de diminuir.
Um sector que necessite de uma redução dos salários reais em
5% para se re-equilibrar poderá conseguir isso congelando os salários nominais
durante dois anos, se a inflação estiver nos 2,5%. Mas, se a inflação for
apenas de 0,5%, precisaria de 10 anos para obter o mesmo resultado e, muito
provavelmente, teria que recorrer a despedimentos em número significativo,
porque as empresas não conseguem ficar tanto tempo a suportar custos
excessivos. Isto também resulta da quase impossibilidade legal de reduzir os
salários nominais, pelo que um nível moderado de inflação ajuda ao ajustamento
da economia e das empresas e evita algum desemprego.
O caso da deflação é mais grave. Para além de agravar o
problema descrito atrás, a deflação cria dois novos problemas: o adiamento da
despesa e a subida das dívidas em termos reais. Quando se instala a expectativa
da redução continuada dos preços, muitos consumidores e empresas adiam decisões
de consumo e investimento, esperando fazê-las mais tarde, a preços menores.
Estes comportamentos, inteiramente razoáveis a nível individual, criam graves
problemas colectivos, de baixo crescimento ou mesmo recessão.
A descida dos preços torna as dívidas mais pesadas em termos
reais e isso é péssimo para uma economia tão endividada como a portuguesa.
O exemplo mais flagrante deste problema registou-se no
Japão, que lutou quase vinte anos com um problema de deflação persistente,
estando finalmente a sair desta situação.
Neste momento, a zona do euro já está a lidar com a questão
da inflação baixa, que se poderá agravar com a passagem para um estado de
deflação. O BCE, ainda que desvalorize os riscos de deflação, já começou a
prometer lutar contra eles. É isso que explica a extraordinária descida das
taxas de juro de longo prazo, de que Portugal tem vindo a beneficiar de forma
muito significativa.
Estamos perante um caso muito irónico. Por um lado, Portugal
tem beneficiado – muitíssimo – dos receios de deflação, com quedas excepcionais
das taxas de juro, mas, por outro lado, teria imenso a perder com a
concretização destes riscos.
Esta questão é um pouco subtil e espero conseguir
transmiti-la aos leitores. A eliminação completa dos riscos de deflação na zona
do euro seria muito negativa para Portugal, porque faria subir as taxas de juro
de longo prazo para níveis mais consentâneos com a nossa verdadeira condição
económica. É possível, e até mesmo provável, que fossemos obrigados a pedir um
segundo resgate, se uma qualquer perturbação externa desencadeasse uma escalada
das taxas de juro.
O ideal, neste momento, para Portugal, não é nem o
desaparecimento completo dos riscos de deflação, nem a concretização destes
riscos, mas apenas um caminho estreito, em que há riscos de deflação mas estes
não se materializam.
Se as expectativas do BCE se confirmarem, ajudadas pelas
medidas que este banco central venha a tomar, em meados de 2015, é provável que
os riscos de deflação se tenham desvanecido. Ou seja, é possível que, aquando
das próximas eleições legislativas, no próximo ano, Portugal assista a um
aumento das taxas de juro de longo prazo, que deverão condicionar, de forma
sensível, as opções políticas do governo saído dessas eleições.
[Publicado no jornal “i”]
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