Restruturar a dívida
implicaria um segundo resgate, mais duro do que o primeiro
Uma estranha associação de figuras, mais notáveis pelos
cargos que ocuparam do que pelo fizeram nesses mesmos cargos, veio propor a
restruturação da dívida pública.
Escolher o pai das SCUTs, “que se pagavam a si próprias”, um
dos maiores responsáveis pelo gigantismo da nossa dívida, para fazer
declarações públicas sobre este manifesto, é abusar da paciência dos
portugueses. Estas PPP contêm cláusulas leoninas, contra os interesses do
Estado e dos contribuintes e nunca ninguém percebeu porque é que, até hoje,
nunca foram investigadas.
Fazem a proposta de uma restruturação, que designam como
“responsável”, não se percebe exactamente porquê. A proposta consiste em
alargar fortemente o prazo dos empréstimos e reduzir a taxa de juro a pagar,
prevendo-se mesmo que, em alguns casos e durante alguns anos não se pagassem
juros.
Podem pintar isto com a conversa que quiserem mas isto é,
para todos os efeitos, um calote. Alargar o prazo dos empréstimos sem alterar a
taxa de juro constituiria já uma perda para os investidores, porque quanto mais
longo o prazo, maior a taxa de juro exigida, como é natural, porque o risco é
maior. Portanto, os investidores vão perder por duas vias.
Escusam de vir com rodriguinhos de que isso se dilui ao
longo do tempo, porque a maior parte dos investidores é obrigado a calcular o
valor actualizado das obrigações e rombo no balanço acontece já hoje.
Para além disso, há uma coisa em que os subscritores estão
profundamente errados: pensar que o débil crescimento português se deve a falta
de procura, que desapareceria com o Estado a gastar mais. Desde 2000, que
Portugal cresce pouquíssimo, apesar de ter sempre sofrido de excesso de
procura, como é evidenciado pelos elevadíssimos défices externos.
De acordo com dados do IGCP, em Janeiro deste ano, a dívida
pública ascendia a 208,6 mil milhões de euros, 35% do qual emprestado pela troika, 56% pelo mercado e os restantes 9%
estão sob a forma não transaccionável, sobretudo em Certificados de Aforro. A
dívida detida pelos bancos portugueses corresponde a 15% do total (Dez-13),
representando mais de um quarto da que está no mercado.
A primeira dúvida que surge é se também pretendem reduzir
unilateralmente as taxas de juro dos Certificados de Aforro e impedir as
pessoas de os levantar, como aconteceria ao resto da dívida?
Em relação às perdas dos investidores, é óbvio que os bancos
portugueses não podem ficar isentos. Até onde poderão ir as perdas? Não se
sabe, mas os capitais próprios poderiam ser completamente eliminados e isso
exigiria novas ajudas públicas e mais dívida. Se as perdas forem mesmo muito
elevadas, os depósitos acima de 100 mil euros também poderiam ser afectados.
O tratamento a dar à troika
é que constituiria um problema delicado. Por um lado, seria difícil que ficasse
a salvo de qualquer perdão, apesar de ter uma dívida sénior, para não se
repetir o desastre do primeiro perdão grego. Mas por outro, também seria muito
complicado a troika sofrer perdas.
Há certamente uma coisa que o manifesto ignora: as
contrapartidas de um perdão de dívida. Digamos que há dois tipos de
contrapartidas, as exigidas pelos mercados e as exigidas pela troika.
Dificilmente os mercados deixariam passar este perdão de
dívida sem uma forte penalização, agravando o custo do financiamento aos
bancos, às empresas e às famílias portuguesas, dificultando as condições de
recuperação económica.
Já a troika
deveria colocar condições muitíssimo mais duras num segundo resgate, que seria
obrigatório. O primeiro resgate foi cumprido de forma muito deficiente,
sobretudo em termos da (inexistente) reforma do Estado. É óbvio que como
contrapartida para aceitar um perdão da dívida, a troika seria extremamente exigente, possivelmente envolvendo maior
perda de soberania do que a associada à primeira ajuda.
Ou muito me engano, ou os subscritores deste manifesto
abriram uma caixa de Pandora, da qual sairão muitas coisas negativas e nenhuma
positiva.
[Publicado no jornal “i”]
1 comentário:
Caro Sr. Pedro Braz Teixeira,
Devo dizer que discordo fortemente do seu post desta semana. Se é certo que a economia portuguesa tem sofrido de um excesso de procura, é também certo que este Governo não executou uma única reforma estrutural na sua legislatura. Uma expansão da procura levaria a uma melhoria das condições económicas. Temporária e insustentável? Sim, mas o suficiente para que fossem criadas as condições políticas necessárias para se reformar o que quer que seja (mercado de trabalho à cabeça).
Quanto à troika, creio que é uma falsa questão. A dívida que o governo português contraíu junto da CE, BCE e FMI é hoje um activo que pode ser usado na renegociação dos termos do empréstimo; por muito menos dinheiro o Brasil e a Argentina conseguiram mudar as condições dos seus empréstimos junto do FMI. A coisa pode nem ter corrido muito bem depois, mas não terá decerto sido por esta reestruturação da dívida.
Em terceiro lugar, os investidores. Estes agentes são os mesmos que nos cobravam uma taxa de juro muito maior que a actual, com a dívida não mais insustentável que o que é hoje. Se é verdade que uma reestruturação será decerto penalizada nos mercados, será que o Estado português será menos penalizado quando esta euforia completamente disparatada se dissipar e os gurus dos mercados se aperceberem que a dívida é tão ou mais insustentável que em 2011? Surpreende-me até, do que li seu, que pense assim e que trace um laço causal entre uma reestruturação e um segundo resgate, quando dá por inevitável esse mesmo segundo resgate em vários dos seus posts.
Em suma, acho que não se deve ir por nenhum desses caminhos. As condições políticas a reformas estruturais evoluem positivamente com a perspectiva económica (já que as reformas pelo sector privado, via investimento, não aparecem precisamente pela falta de perspectivas de procura) e os argumentos da troika inflexível e dos mercados benevolentes (em vez de inconscientes) convence cada vez menos gente.
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