Ao contrário do que
diz o manifesto dos 70, o problema do crescimento português não está na procura
mas sim na oferta
Retomo o manifesto dos 70 num único tema, o crescimento,
cuja abordagem naquele documento me parece totalmente errada. Os problemas
portugueses de crescimento têm muito pouco a ver com (eventual falta de)
procura e quase tudo a ver com a oferta.
Os problemas do baixo potencial de crescimento da economia
portuguesa foram um dos motivadores essenciais para o enfoque da troika nas reformas estruturais. Na
década que antecedeu o pedido de ajuda à troika
(sublinho que o problema já durava há dez anos e que fomos nós que pedimos
ajuda), a economia portuguesa teve o crescimento mais medíocre dos anteriores
cem anos.
É impossível sobrevalorizar este aspecto: dez anos (leram
bem: dez anos!) antes da troika
chegar a Portugal, já a economia portuguesa estava gravemente doente.
É este problema que precisa de cuidados intensivos e ele tem
pouquíssimo a ver com os juros da dívida pública. Esta questão está
profundamente relacionada com as reformas estruturais na despesa pública (por
encetar) e na intervenção do Estado em diversas instâncias e mercados (com
progressos muito limitados), estranhamente ausentes do manifesto.
No memorando inicial, a troika
esperava que o potencial de crescimento da economia portuguesa subisse para
quase 2%, um progresso assinalável face aos menos de 1% da década precedente,
mas ainda assim insuficiente para regressar à convergência com a UE, que só
poderá estar garantida com taxas em torno dos 2,5%, que conseguiria uma
convergência ainda débil. Convém ainda salientar que há mais de 30 anos que
Portugal recebe fundos estruturais para convergir e que, por isso, é
absolutamente escandaloso que tenha estado em divergência estrutural com a UE
em todo o século XXI.
É essencial também recordar aquilo que pode ser considerado
como o principal responsável pelo fraquíssimo crescimento económico que temos
tido: as PPP, sobretudo as rodoviárias.
As PPP são um dos mais clamorosos erros de política
económica, por múltiplas razões. Elas são, em primeiríssimo lugar, um erro
estratégico No período em que ocorreram, Portugal enfrentava um dificílimo
desafio de globalização. Ao contrário de 1960, quando aderiu à EFTA e que era o
país com mais baixos salários da nova organização, nos anos noventa, Portugal
enfrentava a muito exigente concorrência dos países da Europa de Leste, com
salários mais baixos que Portugal, mais próximos do centro da Europa e com uma
mão-de-obra muito mais qualificada do que a nossa. Como é que, algum dia,
construir auto-estradas e estádios de futebol nos poderia auxiliar a competir
com a Europa de Leste?
Em segundo lugar, as PPP foram um dos mais fragorosos erros
de gestão conjuntural. Numa economia a rebentar com o excesso de procura gerado
pela enorme descida de taxas de juro, só políticos totalmente irresponsáveis é
que agravariam este excesso de procura com investimentos adicionais e
perdulários em PPP.
O terceiro erro foi a forma de financiamento das PPP, uma
carpintaria financeira que duplicou os custos face à dívida normal, com o único
propósito de enganar os nossos parceiros comunitários, para além de outras
suspeitas, que as cláusulas leoninas contra o Estado e contra os contribuintes
legitimam.
Todo este excesso de procura criou um gravíssimo problema de
competitividade no preciso momento em que deixávamos de dispor do instrumento
cambial para o corrigir. Por seu turno, a falta de competitividade e a
decorrente incapacidade de atrair investimento qualificado esmagaram o
potencial de crescimento da nossa economia.
Pior era impossível e termos o pai desta monstruosidade, João
Cravinho, o principal responsável por todos os anos de miséria que se seguiram,
a defender publicamente este manifesto, é um insulto a todos os sofrimentos de
que actualmente padecemos.
Termino com duas interrogações: como é que é possível que
este manifesto escamoteie totalmente todos os custos associados a uma
restruturação da dívida, apresentando-lhe apenas os benefícios? Como é possível
fazer escolhas informadas só com a metade boa da informação?
[Publicado no jornal “i”]
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