Os problemas na
Ucrânia reforçam a necessidade de um programa cautelar
Peço desculpa por continuar a massacrar os leitores com o
tema do pós-troika, mas ele é importante a vários títulos.
Infelizmente, são crescentes as indicações de que o governo
português e a UE se encaminham para um caminho altamente imprudente de saída do
programa da troika, sem um acordo de
financiamento cautelar.
Saliente-se que esta via é imprudente, quer para Portugal,
quer para a UE e a zona do euro. É muito fácil os próximo tempos apresentarem
escolhos, mesmo com origem externa. Em Itália, está em curso mais uma
experiência política, de um novo primeiro-ministro que pretende encetar grandes
reformas, sem a legitimidade eleitoral para o fazer. Tem tudo para correr mal e
mais um fracasso em Itália é perigoso para os países periféricos e para a zona
do euro, porque este país é demasiado grande para poder ser ajudado.
Na Ucrânia, assiste-se a uma escalada de violência, que
colocou o mundo no nível de risco mais elevado desde, pelo menos, o fim da
guerra fria. O que quer que venha a ocorrer nos próximos meses, em termos
militares, pode ter consequências económicas significativas, com uma quebra da
confiança a fazer regressar a recessão às principais economias. Para além
disso, são possíveis cortes no fornecimento de gás russo à Europa, perturbando
a actividade e elevando o preço dos combustíveis. O mero aumento da aversão ao
risco que um conflito desta natureza pode gerar tem todas as condições para
alargar os diferenciais de taxa de juro entre os países periféricos e os mais
seguros.
Estando a retoma portuguesa tão dependente das exportações,
o cenário descrito tem fortes condições de nos afectar, através de vários
canais. A dívida portuguesa continua insustentável e um abrandamento económico
vindo do exterior agravará aquela condição.
Há quem julgue que as taxas de juro a que estiver a dívida
portuguesa em Maio podem ser um referencial da escolha entre ter ou não um
programa cautelar. Para esses, e todos os outros, convém recordar que em menos
de dois meses, entre meados de Maio e o início de Julho de 2013, as nossas
taxas de juro subiram mais de dois pontos percentuais, atingindo quase os 7,5%.
Isto deveu-se inicialmente à percepção de que o programa de estímulo da Reserva
Federal dos EUA tinha chegado ao fim e culminou com a crise “irrevogável” de
Portas. Este episódio, tão recente, deve-nos reforçar a necessidade de um
programa cautelar, porque as taxas de juro podem subir muito e muito
rapidamente, quer por factores externos quer internos.
Mas a ausência de um programa cautelar é também um risco
para a zona do euro e a UE. Com os riscos já enunciados, entre os quais convém
salientar o caracter ainda insustentável da nossa dívida pública, é
perfeitamente possível que Portugal possa ser forçado a pedir um segundo
resgate alguns meses após o fim do primeiro programa de assistência financeira.
Se, ou quando, isso acontecer, Portugal estará transformado
numa segunda Grécia e a zona do euro voltará a ser encarada como sendo incapaz
de resolver os seus próprios problemas. Isto será mau em duas frentes: nos
investidores e nos eleitorados. A percepção da insustentabilidade do próprio
euro regressará, castigando de novo os países, com os investidores a fugir dos
Estados mais arriscados.
Em termos políticos e eleitorais, será um festim para todos
os partidos anti-euro e anti-UE, que deverão ganhar uma expressão histórica nas
próximas eleições europeias, daqui a menos de três meses.
A reacção dos investidores e dos eleitores tem condições de
entrar num ciclo vicioso, em que a fuga inicial dos investidores afecta alguns
países, irritando os eleitorados que vêem nova factura a chegar. Isso gera a
percepção, junto dos investidores, de que não há condições políticas para a
sobrevivência, acentuando a fuga inicial. A correspondente subida das taxas de
juro e o alargamento do número de países em dificuldades deverá irritar ainda
mais os eleitorados, levando a nova fuga de investidores e assim
sucessivamente.
Como é óbvio, tudo o que fragiliza o euro, fragiliza a
própria UE e Portugal deveria usar estes argumentos para solicitar um programa
cautelar.
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