Precisamos de assumir
colectivamente uma estratégia para o país, sob pena de continuarmos à deriva,
com fracos comandantes
Como dizia o saudoso Ernâni Lopes (1942-2010), Portugal está
“à deriva” desde 1995, usando uma expressão náutica, em homenagem ao seu
passado na marinha.
Desde então o país tem sido governado com base, ou na espuma
dos dias que surge nos telejornais das 20 horas, ou dominado pela urgência de
conter os défices públicos.
Apesar de estarmos com um grave problema de contas públicas
desde, pelo menos, 2000, parece que cada novo governo acorda para a necessidade
de diminuir o défice orçamental no dia em que toma posse, revelando-se cada
novo executivo mais impreparado do que o anterior para fazer face a este
desafio. O mais que conseguem é aumentar impostos e fazer cortes cegos na
despesa. Muitos já terão esquecido, mas convém lembrar que a subida da taxa
normal do IVA, em 2002, de 17% para 19%, foi apresentada como uma medida
“temporária”, que seria revertida quando as contas públicas voltassem a estar controladas.
É extraordinário que, quase três anos após o programa da troika, ainda não esteja concluído um
programa de reforma estrutural da despesa pública, devidamente estudado,
operacionalizado e consensualizado, quanto mais minimamente iniciada a sua concretização.
Ainda que seja obviamente necessário um programa de redução
estrutural da despesa pública, que coloque um ponto final nesta crise das
contas públicas, que já dura há quase uma década e meia, isso nunca passará de
um trabalho de casa mínimo que é necessário realizar, mas que não constitui –
de maneira nenhuma – uma estratégia para o país para as próximas décadas.
Portugal precisa de deixar de ser um país “à deriva”, as
nossas políticas públicas têm de deixar de ser um amontoado esquizofrénico de
remendos.
Passe o pleonasmo, mas entendo que devemos ter como
objectivo estratégico a definição de uma estratégia para o país para os
próximos 20 anos. Não vou definir aqui muito de uma possível estratégia, por
duas razões. Em primeiro lugar, porque, honestamente, não tenho ideias
suficientemente detalhadas sobre qual deva ser essa estratégia. Em segundo
lugar, porque considero que não pode ser o iluminado A, B ou C a definir esse
caminho. Tem que ser uma resposta assumida colectivamente, devidamente consensualizada.
A este respeito gostaria de acrescentar dois pontos. Em
primeiro lugar, entristece-me que as universidades se tenham demitido de pensar
o país numa lógica prospectiva, quando estes deveriam ser os centros
privilegiados de reflexão do país. Em segundo lugar, parece-me que a
concertação social tem graves problemas de representatividade, para além de
parecer ser um centro de disputa dos interesses actuais e, até hoje, sem
capacidade de pensar o futuro.
Definir uma estratégia hoje é ainda mais importante, porque
já se percebeu que nas próximas décadas vai haver muito pouco dinheiro. Mas há
uma série de medidas que não custam dinheiro e até o poupam, como é o caso de reduzir
regulamentação.
Temos, urgentemente, de deixar de pensar que resolver problemas
é deitar dinheiro em cima de problemas, com a esperança – quimérica – de que
estes se resolvem por si.
Se é evidente que queremos crescer e gerar emprego,
deveremos também procurar fazê-lo no sector transaccionável, não só porque
acumulámos uma enorme divida externa, mas também porque aqui se encontram
geralmente os mais rápidos crescimentos da produtividade.
Uma estratégia para o país tem que ir para além da economia.
Precisamos também de tomar consciência das atitudes cívicas que temos vindo a
promover, como sociedade, e assumir a necessidade de alterações. Neste domínio,
entendo que nos devemos afastar de todas as políticas públicas que promovam a infantilização
e a irresponsabilidade, bem como precisamos de reequilibrar o eixo entre
direitos e deveres, actualmente demasiado próximo dos primeiros.
Uma sociedade de pessoas mais autónomas e responsáveis
parece constituir um bem em si mesmo, mas a muito limitada capacidade
financeira que o Estado português terá nas próximas décadas também forçará a
uma menor dependência do Estado.
[Publicado no jornal “i”]
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