Num país em que os
argumentos de autoridade valem mais do que os argumentos racionais, a asneira é
rainha.
Em Portugal existe uma estranha originalidade. Embora, como
na generalidade dos países, os políticos, como um todo, sejam avaliados de
forma claramente negativa, é entre eles que a comunicação social tende a
recrutar os seus comentadores.
Antes de mais, convém esclarecer que isso não parece
resultar de um enviesamento da comunicação social. Se os portugueses não
atribuíssem valor ou interesse a esses comentários, é improvável que os órgãos
de comunicação contratassem de forma tão esmagadora ex-primeiros ministros e
ex-ministros.
A parte mais preocupante desta originalidade portuguesa, que
surpreende qualquer analista estrangeiro, é que, demasiadas vezes, esses
ex-governantes não deixaram uma obra louvável.
Ou seja, é como se o principal atributo destes políticos
comentadores não fosse a qualidade, mas a autoridade. A ocupação de lugares de
chefia no passado parece conferir a estas pessoas uma autoridade duradoura, que
se prolonga no tempo muito para além da posição exercida. O pior de tudo é que
este estatuto de autoridade parece ser quase completamente independente da
qualidade da chefia exercida. Mesmo os chefes mais incompetentes e corruptos
preservam essa aura de autoridade quando, racionalmente, seria natural concluir
que eles nunca deveriam ter ocupado aquele posto, por manifesta e gritante
incapacidade.
Em França, os antigos ministros continuam a ter o título
desse cargo, em termos vitalícios. Ou seja, em outros países os ex-governantes
mantêm um certo estatuto, mas não são convidados para fazer comentário
político.
Esta originalidade portuguesa revela uma outra coisa: a
falta de apreço pela inteligência e pela qualidade intelectual, que não será
alheia ao baixíssimo nível de escolaridade do nosso país, o pior dentro da UE.
O problema não reside na escassez de intelectuais capazes e
disponíveis para reflectir e comentar a actualidade, mas antes na baixa
valorização das suas reflexões.
Isto é também flagrante e infelizmente patente na pobreza
franciscana do debate público em Portugal. Após a divulgação de um estudo
sério, basta a oposição, sob a forma de uma ou duas baboseiras, proferidas por
alguém com alguma autoridade, não mais do que um dirigente sindical, para
aniquilar aquele estudo.
Esta é, também, uma das razões explicativas para o actual
desastre nacional. Num país em que basta um idiotice duma figura de autoridade,
por menor que esta seja, quer a cretinice quer a autoridade, para destruir uma
reflexão aprofundada, está condenado ao maior dos fracassos. Quando os
argumentos de autoridade valem mais do que os argumentos racionais, a asneira é
rainha.
Isto conduz-nos a uma das mais graves debilidades da
sociedade portuguesa: a excessiva tolerância à mediocridade, à incompetência e
à desonestidade dos chefes. Numa sociedade mais intolerante aos maus chefes,
estes são rapidamente afastados, preservando a qualidade das instituições. Em
sociedades, como a portuguesa, em que a mediocridade no topo é escandalosamente
permitida, há uma terrível contaminação do conjunto das instituições submetidas
a chefes tão fracos.
Por seu turno, uma sociedade dominada por medíocres nos
lugares de topo, sufocando a qualidade como uma ameaça terrível, que os pode
colocar em causa e que é essencial suprimir, só pode ter os piores resultados
colectivos.
Acrescentaria, ainda, que em Portugal há uma dupla
desvalorização da razão, por um efeito antigo e outro mais recente. O efeito
antigo é o da excessiva reverência à autoridade, referido atrás, que vai para
além do mero “respeitinho”. A influência mais recente diz respeito à
“democratização” da opinião, em que a minha ignorância vale tanto como o
conhecimento do outro.
Um dos sinais mais preocupantes é que temos assistido, nas
últimas décadas, em paralelo, a um aumento da formação dos portugueses e a uma
degradação da qualidade intelectual do debate público. É certo que os blogs
vieram trazer uma contribuição muito enriquecedora, mas cada vez menos a sua
influência se estende a públicos mais alargados.
[Publicado no jornal i]
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