quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Soluções “sem custos”

Sempre que vos falarem em soluções “sem custos”, lembrem-se das SCUTs que se pagavam a si próprias

O PS apresentou mais uma proposta avulsa, a de baixar a taxa do IVA da restauração de 23% para 13%, com o argumento de que esta medida não custa nada, porque o volume de negócios naquele sector irá subir de tal forma com esta alteração fiscal, que as receitas fiscais se manterão inalteradas.

Antes de mais, é preciso esclarecer o que não está aqui em discussão e o que está em discussão.

Permito-me insistir nesta distinção, porque um dos traços mais tristes do debate público em Portugal, a começar no café e a acabar no parlamento, é a forma como o espaço para a argumentação racional é mínimo, enquanto as “tiradas” emocionalmente descontroladas quase monopolizam os comentários.

Numa sociedade em que o debate racional quase não tem oportunidade de ocorrer é de esperar uma enorme proliferação de erros, alguns dos quais com consequências colossais.

O escrutínio público acaba por ser ínfimo e os poderes políticos podem tomar as decisões mais levianas, insensatas e corruptas, que nunca chegam a ser verdadeiramente beliscados.

Lembram-se da leviandade com que era defendida a opção pelo aeroporto na Ota? Não ficaram chocados com a facilidade com que se mudou de opinião? Um investimento gigantesco decidido com base num capricho dum ministro… E, neste caso, até se conseguiu abortar a asneira.

Para além disto, o debate público padece do problema, identificado por José Gil, da “não inscrição”, isto é, as coisas acontecem, mas não parecem deixar marca. Um dos exemplos mais flagrantes desta “não inscrição” aconteceu quando se ia desenrolando o novelo das suspeitas em torno do licenciamento do Freeport. A dada altura soube-se que que naquele mesmo local tinha sido proibida a instalação de um cemitério devido ao tráfego que ele traria. Qualquer pessoa pensaria que isso iria fazer soar todas as campainhas, constituindo um dos sinais mais claros que teria havido corrupção naquele processo. Qual quê! A notícia do Público nem sequer apareceu em outros órgãos de comunicação e morreu no dia seguinte. Se isto não é “não inscrição”, o que poderá sê-lo?

Voltando ao sector da restauração não vou discutir a proposta da redução da taxa do IVA, mas sim a argumentação de que não será necessário aumentar outros impostos para a compensar.

Já conhecemos a fábula das soluções “sem custos”, com o exemplo máximo das SCUT, que se pagariam a si próprias. A construção daquelas vias iria aumentar imenso a actividade económica que, por sua vez, iria aumentar a receita fiscal no futuro, que pagaria todas as prestações das SCUT. Já chegámos ao futuro, já levamos mais de uma década do pior crescimento económico dos últimos cem anos, não só temos portagens nas SCUTs como ainda temos que pagar uma barbaridade de impostos para pagar uma factura que, disseram-nos, nunca existiria.

Era mil vezes preferível que o PS argumentasse numa linha mais razoável e sensata, de que os custos desta proposta deveriam ser limitados, devido ao efeito potencial de geração de emprego.

O que a actual crise deveria trazer era riscar do mapa certas formas de fazer política e deixarmos de aturar sempre as mesmas tretas.

PS. Parece que a IGF destruiu dossiers relativos aos swaps, por terem mais de três anos. Nos tempos que correm, em que tudo é feito em computadores e em que o espaço de memória está disponível gratuitamente na internet, não guardaram cópias digitais? Os textos que os inspectores escreveram foram não só fisicamente destruídos, mas também apagados dos computadores? Acham mesmo que somos assim tão idiotas?


[Publicado no jornal "i"]

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