Temos enormes
obstáculos pela frente: a reforma do Estado, a oitava e nona avaliações pela
troika, as eleições autárquicas e o orçamento de Estado
Após o interregno das últimas semanas, não vamos voltar à
normalidade, porque há imensos – e enormes – obstáculos nos próximos meses: a reforma
do Estado, a oitava e nona avaliações pela troika,
as eleições autárquicas e o orçamento de Estado.
Quanto à reforma do Estado, há fortes razoes para suspeitar
que o trabalho realizado pelo governo seja manifestamente insuficiente. O
adiamento sucessivo da apresentação de resultados e a ligeireza da demissão do
ministro com a tutela desta matéria deixa-nos altamente apreensivos.
Por isso, a próxima avaliação pela troika (a oitava e a nona em simultâneo) tem todas as condições
para correr ainda pior do que a sétima, cujas dificuldades e atrasos terão sido
algumas das principais razões para a demissão de Vítor Gaspar.
Os resultados das autárquicas (de 29 de Setembro) devem ser
péssimos para os partidos da maioria, não só por serem contaminados pela
conjuntura económica, mas também pelas inúmeras trapalhadas em que as
candidaturas têm estado envolvidas, continuando sem se saber quais serão sequer
aceites. Por seu turno, estes maus resultados eleitorais têm todas as condições
para exacerbarem os conflitos internos dentro do PSD e do CDS, agravando o
estado de saúde da coligação, que já não é nada famoso.
Passando agora para o orçamento de Estado, que tem que ser
apresentado até 15 de Outubro, o quadro é altamente complicado, sobretudo pela
relutância do CDS em aceitar os elevados cortes exigidos pela troika. Há aqui uma terrível ironia. Uma
profunda reforma do Estado, com claros efeitos de médio e longo prazo, ainda
que tímidos no curto prazo, poderia constituir uma das mais fortes armas
negociais do governo para conseguir uma suavização do ajustamento da
consolidação orçamental. No entanto, tudo indica que o CDS, com o pelouro da
reforma do Estado, produzirá a mais pífia das propostas, o que deverá
constituir o principal obstáculo à aceitação das suas reivindicações
orçamentais.
Para além disto, segundo os dados do 1º trimestre, Portugal
tem a terceira maior dívida pública da UE (127,2% do PIB) atrás da Grécia, num
destacadíssimo primeiro lugar (160,5%) e da Itália (130,2%).
Segundo as previsões da Comissão Europeia, de Maio, Portugal
deveria chegar ao fim de 2014, com uma dívida de 124,3% do PIB, o que significa
que só no primeiro trimestre deste ano já ultrapassámos a meta do próximo ano.
Como a execução orçamental não está a correr bem, este cenário tem todas as
condições para se agravar ao longo do ano.
Uma flexibilização das metas orçamentais trará, quase
inevitavelmente, mais dívida pública. Ou seja, estão reunidas as condições para
Portugal passar a ter, muito em breve, a segunda maior dívida pública da UE,
apenas superada pela Grécia. Por isso, será cada vez mais difícil argumentar
que Portugal não é a Grécia.
Por tudo isto, estou altamente apreensivo com o orçamento de
2014, que poderá ser mais um passo importante para nos aproximar da Grécia.
Vejo duas hipóteses: ou o orçamento é credível e será dificílimo de ser
aprovado, em particular pelo CDS; ou a proposta de orçamento é uma ficção.
Neste segundo caso, os problemas políticos poderiam ser adiados, mas apenas no
caso de a troika de engolir aquela
ficção.
Não custa nada imaginar uma reedição da saída “irrevogável”
de Paulo Portas por alturas da discussão do orçamento. Com a diferença que,
então, o governo já não terá remendo possível.
Restar-nos-á ir para eleições antecipadas, provavelmente
ganhas pelo PS, sem maioria absoluta, que não tem nenhuma alternativa, a não
ser dizer “a Europa que pague!”. Seguirá fatalmente os passos do socialista
Hollande, contrariando cada palavra que disser durante a campanha eleitoral.
Os tempos que vivemos têm todas as condições para destruir
os partidos tradicionais, que não só nos trouxeram até aqui como não parecem
fazer ideia nenhuma de como sair do buraco em que estamos. Haja quem aproveite
a oportunidade para criar novos partidos…
[Publicado no jornal i]
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