sexta-feira, 19 de julho de 2013

Segundo resgate

A crise política que se vem desenrolando nas últimas semanas tem fortes condições para aumentar a necessidade de um segundo resgate, que é bem provável que envolva algum tipo de reestruturação da dívida pública, no mínimo do tipo mais benigno, em que só se prolongam os prazos dos empréstimos.

Teme-se que a sucessivamente adiada reforma do Estado (e/ou da despesa pública) se venha a revelar um fiasco, limitando a capacidade de diminuir o défice público de forma sustentável nos próximos anos.

Mais cortes cegos e rápidos têm fortes condições de impedir a continuação da tímida retoma económica em curso. Estamos perante um dilema terrível: ou se concretizam reduções significativas na despesa, com claras consequências recessivas, que agravarão a dívida pública (em percentagem do PIB); ou se dilui o ajustamento orçamental, o que também piorará a trajectória da dívida pública.

A segunda opção parece claramente preferível, em termos sociais, mas está obviamente dependente do acordo dos nossos credores.

A dívida pública portuguesa está já em níveis praticamente insustentáveis, não só por ser demasiado elevada, mas também porque Portugal está em divergência estrutural desde cerca de uma década antes da chegada da troika. As medidas entretanto tomadas apenas poderão ter um impacto extremamente limitado no nosso baixíssimo potencial de crescimento.

Portugal deverá ser chamado a tomar decisões da maior importância nos próximos tempos (um segundo resgate e reestruturação da dívida), para as quais seria necessário dispor de um governo com uma clara legitimidade e uma força anímica de que o actual executivo não dispõe.

O actual governo que, por força da confusa intervenção do PR, não se sabe muito bem qual é (quem é ministro do quê? vai ficar ou está de saída?), aparenta ser uma amálgama esboroada, incapaz de apresentar uma proposta convicta de orçamento para 2014, para a qual já faltam menos de três meses.

Neste contexto, pareceria preferível uma clarificação política, através de eleições antecipadas, cujo custo deveria ser minimizado. Como Pacheco Pereira muito bem sugeriu, seria preferível encurtar os prazos oficiais e obter um acordo para os próximos meses, que seria muito mais fácil de alcançar do que um acordo por doze meses.

Aliás, a ideia do PR de que nos livraremos da troika dentro de um ano está, ironicamente, a ser posta em causa pela própria intervenção daquele órgão de soberania, que criou a mais sui generis das crises.

Aguardemos os próximos desenvolvimentos, não só internos, como externos, em que se devem destacar as eleições legislativas alemãs de 22 de Setembro que, ao contrário do que a generalidade dos analistas pensa, julgo que marcarão um agravamento da crise do euro. A partir daquela data é muito provável que aquele eleitorado comece a ser confrontado com a quebra da promessa de que a crise do euro nunca custaria nada aos contribuintes germânicos. O pior nem sequer será a factura, mas antes o confronto com a mentira. 

[Publicado no Jornal de Negócios]

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