quarta-feira, 17 de julho de 2013

Impasse

Poder-se-á chegar a um acordo até 21 de Julho, mas temo muitíssimo que o preço da concordância seja a perda de substância do texto final


O Presidente da República apresentou uma estranha e pouco clara proposta aos partidos. Um pressuposto básico desta proposta é que o calendário com a troika se mantenha intacto, que é o que justifica a opção surpreendente de fazer eleições antecipadas em cima do final do actual programa. Trabalhando ainda nesta premissa, parece--me que seria preferível que fosse um novo governo a negociar o programa cautelar que se deve seguir ao actual.

Afigura-se-me muito infeliz repetirmos o que se passou em 2011, em que foi um governo em fim de funções a negociar o que o executivo seguinte teria que cumprir.

Mas, principalmente, entendo que este pressuposto básico tem todas as condições para não se verificar, quer por razões internas, quer externas.

As sucessivas derrapagens a que vimos assistindo, quer em termos das metas orçamentais (não só do défice público, mas sobretudo da dívida pública), quer das reformas adiadas (sobretudo sobre a despesa pública), têm vindo a aumentar a probabilidade da necessidade de um segundo resgate.
Em termos externos, temos o marco das eleições legislativas alemãs, a 22 de Setembro, que poderão introduzir alterações profundas na crise do euro. Há quem tenha a ilusão que a partir destas eleições é que medidas decisivas poderão ser tomadas, mas eu tenho a visão oposta.

A partir daquele acto eleitoral é que a verdadeira dimensão da factura do euro começará a ser revelada ao eleitorado germânico. Julgo que se criarão as condições para um aprofundamento da crise do euro. Entendo que o problema principal não residirá no tamanho daquela factura, mas na tomada de consciência, por parte dos alemães, de que estiveram a ser enganados estes anos todos.
É evidente que os países periféricos sofrerão muito com este agravamento da crise, mesmo que as consequências não sejam imediatas.

Voltando a Portugal, Pacheco Pereira está carregadíssimo de razão ao sugerir que, em vez de se evitarem eleições antecipadas já, se deveriam reduzir os problemas associados a este acto eleitoral. Por um lado, há a necessidade de redução dos prazos oficiais, aproximando-os dos verificados em democracias maduras. Por outro lado, haveria a necessidade de um acordo entre os principais partidos até às eleições, muito mais fácil de alcançar do que aquele que o PR propôs.

Não descarto a hipótese de se chegar a um acordo até 21 de Julho, mas temo muitíssimo que o preço da concordância seja a perda de substância do texto final. É bem possível que se chegue a acordo sobre um documento que não quer dizer nada, repleto de baboseiras. Imagino frases do tipo: "Os três partidos concordam sobre a necessidade de recuperar o crescimento económico e de diminuir o desemprego."

Até podem lá escrever que são a favor da felicidade, da cura do cancro e do fim da fome no mundo, como qualquer candidata a Miss Mundo, sem nunca explicitar o como e o quando. Poderemos ter um acordo de piedosas intenções, com implicações práticas nulas.

Sobretudo, parece muito difícil chegar a acordo sobre os termos do Orçamento para 2014, que deverá ser apresentado dentro de três meses. No entanto, como os membros da actual coligação ainda albergam expectativas de suavizar as metas orçamentais, isso poderá permitir uma formulação ambígua, que poderá criar um falso consenso.

Tudo indica que a crise seguirá dentro de momentos, depois de um compasso de espera protagonizado pelo PR, que só veio agravar as condições de imprevisibilidade de Portugal, o que só pode ter os piores resultados.

[Publicado no jornal i]

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