Governo e oposição estão
a perder-se em casos, quando deveriam a estar a aproveitar o Brexit e a
prepararem-se para os resultados das eleições francesas.
As mentiras em torno da contratação frustrada de António
Domingues já estavam demasiado complicadas e foi necessário criar-se um novo
caso para desviar as atenções.
Este novo episódio, das off-shores,
está muito mal definido, sinal de que o governo não fez o trabalho de casa, o
que gera a probabilidade de lhe vir a sair o tiro pela culatra.
Estamos na UE e uma das suas quatro liberdades fundamentais
é a liberdade de circulação de capitais; não estamos perante movimentos por
baixo da mesa, como os referentes a negócios de droga e prostituição, mas antes
perante transferências feitas por bancos em Portugal, com a autorização,
presume-se, do Banco de Portugal; todos os movimentos foram reportados ao
fisco, pelo que não faz sentido que haja impostos em falta, até porque isso em
nenhum momento foi referido.
Passando para as dúvidas, gostaríamos de saber: como é
possível que desapareçam dados no fisco? Não há cópias de segurança, aquilo é
uma bagunça, onde é facílimo haver corrupção? Se um membro do governo obrigar
um director geral a cometer uma ilegalidade, este comete-a sem problema? Se
este caso não for completamente esclarecido, que trafulhices se pretende
esconder?
Antes de surgir o próximo caso, para tentar esconder a
trapalhada em que governo se pode estar a meter com este tema das off-shores, gostava de lembrar ao
governo e à oposição que há muito trabalhinho de casa a fazer, desde logo pelas
incertezas externas que enfrentamos.
O Brexit, para além de todos os riscos, pode ser também uma
oportunidade para muitos países, com a deslocalização de serviços financeiros,
de Londres para outras paragens. Em quase todos os países da UE, já há grupos
de trabalho em acção para atrair alguns destes investimentos. O que é que
estamos à espera para fazer algo de semelhante em Portugal?
As sondagens sobre as eleições presidenciais francesas dão a
vitória de Marine Le Pen como certa na primeira volta (23 de Abril) e, em
relação à segunda volta (7 de Maio), as diferenças face a Macron e Fillion
têm-se estreitado. Recordando as surpresas do Brexit e de Trump, é conveniente
não colocar de lado a hipótese de uma vitória da candidata da extrema-direita.
Tendo em atenção que Trump tem surpreendido por manter o propósito de cumprir
as suas promessas eleitorais, também convém não confiar numa Le Pen domesticada
pelas instituições após chegar ao poder.
Mesmo que ela não ganhe as eleições, se obtiver, digamos,
45% dos votos, será possível de pensar que as suas ideias não contagiarão os
outros partidos políticos, perante uma tal ameaça?
O que estamos a fazer em Portugal para nos prepararmos para
estas eventualidades? Nada, esperamos para ver?
Penso que temos que interiorizar que o mundo e a UE estão
numa trajectória de fechamento e que temos que ser cada vez mais responsáveis
pelo nosso próprio destino, sem contar com miríficas ajudas externas, que podem
bem não chegar se (ou quando) forem de novo necessárias. Deveríamos estar focados
em prosseguir as reformas estruturais que nos coloquem num caminho de
crescimento sustentável (sem endividamento externo) e não distraídos com casos
secundários. Este recado tanto é válido para o governo como para a oposição,
que parece estar sem Norte.
[Publicado no jornal online ECO]
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