O governo poderia ter
a sorte de estar a passar um bom momento, se não estivesse tão empenhado em
esconder mentiras
Um ex-primeiro-ministro inglês disse que, em política,
muitas vezes o mais difícil era ultrapassar os casos do quotidiano. Em
Portugal, parece que estamos perante uma situação destas, em torno da
contratação abortada de António Domingues para a CGD.
Dado que este gestor já não está no banco público, esta
polémica já deveria ter terminado há muito, não fosse o facto dos vários
políticos envolvidos terem mentido e persistirem numa teimosia incompreensível
em reconhecer que faltaram à verdade. Isso é o mais irónico de tudo: se já
tivessem reconhecido que erraram e pedissem desculpa, o caso morria.
Entretanto, todos se vão fragilizando mutuamente, Centeno,
Costa e Marcelo, em clara fuga para a frente, sem um pingo de racionalidade.
Parece que todos são partidários do preconceito – absurdo – de que em política
não se deve reconhecer erros nem pedir desculpa. Mas quem pode confiar em
pessoas e instituições que não reconhecem erros? Quem não os reconhece, nunca
os corrigirá e pode dar-se a grande trabalho para os esconder, com enormes
prejuízos para todos. No plano pessoal, quando recebemos um pedido de desculpas
sincero de um amigo, isso não melhora imensa a qualidade da relação? Porque é
que na política não se deveria passar o mesmo?
Se não estivesse enredado nesta trama, que o próprio governo
criou e tem alimentado, até se poderia vangloriar de algumas boas notícias, nem
todas inteiramente positivas, nem da responsabilidade do executivo. Mas, como
mestres de propaganda, poderiam estar atirar grande partido destas novidades.
O défice público de 2,1% do PIB é o mais baixo de há muito
tempo a esta parte, embora tenha muitos efeitos extraordinários e esteja
associado a um aumento da dívida pública.
O PIB acelerou para 1,9% no 4º trimestre, o valor mais
elevado dos últimos três anos, o que permitiria ao executivo vangloriar-se
deste feito. Sem razão, porque, aparentemente, isto se deve às exportações, que
foram menorizadas, e a procura interna, que deveria ser o motor do crescimento,
na perspectiva do governo, desapontou, sobretudo numa das suas componentes mais
importantes, o investimento. Aliás, desde 2012 que o investimento está abaixo
do mínimo necessário para compensar o desgaste do stock de capital (edifícios,
máquinas e equipamentos, veículos profissionais, etc.).
O ano de 2016 também fechou com um excedente nas contas
externas de 1,8% do PIB, que o governo poderia vitoriar como sendo superior aos
1,2% do PIB do ano anterior, embora na verdade seja inferior ao valor de 2013.
Para além disso, o bom comportamento das exportações, sobretudo do turismo, é
independente do executivo, que não as considerava importantes.
Há certamente más notícias, sobretudo nas taxas de juro, com
os investidores muito mais nervosos com a situação portuguesa, do que com a
espanhola ou italiana, mas parece que a generalidade da população não se
apercebe disso.
Em resumo, se o governo não se tivesse envolvido nesta
comédia de enganos, até poderia estar a passar um bom bocado.
[Publicado no jornal online ECO]
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