O novo governo deverá
desfazer algumas das boas reformas dos últimos anos
As últimas semanas têm-se caracterizado pela confusão. Após o anunciado chumbo do novo governo
de Passos Coelho, parece que o PR imaginou que o poderia deixar em autogestão,
quando este enfrentaria um parlamento com uma maioria negativa em clima de
permanente guerrilha. Depois, pensou-se que poderia nomear António Costa, mas
com um pesadíssimo caderno de encargos, que lhe daria os mais variados
pretextos para uma demissão no curto prazo que medeia até ao fim do mandato
presidencial. Finalmente, conjecturou-se que o presidente aguardava pelas
votações decisivas agendadas para 26 de Novembro (a que chamei aqui de “prólogo
orçamental”), que revelariam a inviabilidade dos acordos de esquerda e
destruiriam, à vista de todos, a possibilidade de esta dar suporte parlamentar
a um governo minoritário do PS.
No entanto, Cavaco Silva optou por algo incompreensível,
quer no modo, quer no tempo. O PR indigitou António Costa com condições
aparentemente exigentes e também demasiado extensas. Era preferível que tivesse
feito apenas duas ou três exigências, mas que fossem de tal forma óbvias, que
se tornassem indiscutíveis. No entanto, cedeu logo, aceitando um documento do
PS, aparentemente sem quaisquer compromissos de onde eles eram necessários, do
BE e do PCP, que nem sequer foi tornado público.
A gestão do tempo também foi surpreendente, pela negativa.
Gastou demasiado tempo para a opção que fez, mas insuficiente para se conhecer
os resultados das votações da última quinta-feira. A propósito, como tinha
previsto, a esquerda não se entendeu. Assim, os diplomas baixaram à
especialidade sem serem (ainda) votados.
A confusão seguinte foi a do momento escolhido para a tomada
de posse do novo executivo, que veio a coincidir com o momento em que estavam
previstos as importantes votações parlamentares já referidas. Para a
generalidade das pessoas, isto será uma trivialidade.
Não concordo. Em primeiro lugar, é altamente surpreendente
este grau de amadorismo num regime com quatro décadas de existência e em dois
políticos que há tanto tempo ocupam posições cimeiras no sistema. Em segundo
lugar, isso revela também como ambos não estavam a dar a devida importância a
votações que podem ser decisivas para a sobrevivência do novo governo. Tudo
isto revela uma falta de profissionalismo e de consciência, que não é nada
tranquilizante.
Em relação ao novo governo, parece-me que este será não só de
desperdício de tempo em relação às reformas necessárias para interromper a
última década e meia de estagnação económica, como me parece que iremos
assistir a um recuo em relação aos tímidos progressos alcançados nos últimos
anos, devido sobretudo à pressão da troika.
Tenho uma extraordinária dificuldade em ouvir economistas
reputados a defender o estímulo da procura para o crescimento em Portugal,
quando essa receita não funciona há 15 anos nestas paragens, sendo muito mais
importante – e também muito mais difícil e lento – agir do lado da oferta.
Infelizmente, há economistas que, perante a pressão de
políticos, cedem tudo, engolem as ideias que resultam dos seus próprios estudos
e se mostram incapazes de mostrar firmeza e impedir os disparates de políticos
que vivem de manobras tácticas, para quem o bem comum é o mais insignificante
dos propósitos.
Há vários novos ministros sem força política e a quem parece
faltar também uma certa fibra psicológica, que lhes permitiria imporem-se. Para
garantir que este é um governo, do princípio ao fim, de António Costa, este
recusou dar o estatuto de ministro de Estado a qualquer membro do seu gabinete,
o que poderia colmatar algumas das insuficiências apontadas.
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