O programa do novo
governo baseia-se num diagnóstico errado, pelo que só pode defender uma terapia
desadequada
Um dos factos mais surpreendentes do novo governo é o
recurso a académicos prestigiados, não para usar as suas contribuições, mas
como sinal de qualidade, ao mesmo tempo que se lhes exige que desdigam os
estudos que fizeram no passado e que são a base da sua reputação. É estranho
que António Costa imagine que isso possa ser prestigiante para o executivo,
quando logo a discussão do programa do governo já mostrou que isso é mortal
para os ministros que se prestam a esse tipo de malabarismos.
Mas é também misterioso como é que alguém se presta a
destruir a sua reputação em troca de adquirir o estatuto de ministro, sobretudo
quando se antecipa que este será um cargo de duração limitada, quer devido à
fragilidade política deste governo, quer devido às múltiplas contradições em
que o ministro será confrontado, entre aquilo que afirmou como académico no
passado e o que agora diz no executivo, sendo impossível de acreditar que há
hoje um mínimo de convicção no que defende.
Temos assim um governo que faz um diagnóstico completamente
errado do problema de crescimento económico do país, o que só é possível porque
não há uma consciência nacional deste mesmo problema. Se houvesse a
consciencialização generalizada de que Portugal tem um grave problema de
crescimento há quinze anos, seria impossível qualquer executivo atrever-se a
sugerir que tínhamos deixado de crescer a partir de 2011, quando fomos forçados
a pedir auxílio à troika. Se houvesse
aquela consciência, provavelmente já teria sido possível gerar um alargado
consensual nacional, unindo partidos políticos, patronato e sindicatos, para
definir medidas que nos permitissem voltar a crescer de forma robusta. Infeliz
e extraordinariamente, apesar de este seriíssimo problema já estar connosco há
quinze anos, ele ainda não foi interiorizado.
Mas vamos aos factos. Em primeiro lugar, o crescimento médio
entre 2001 e 2007 (antes da crise) foi de 1% e entre 2001 e 2015 a média deverá
ser nula. Em segundo lugar, entre 1996 e 2011, a procura interna foi sempre
superior ao PIB, uma outra forma de dizer que tivemos défices externos.
Estes factos permitem-nos dizer duas coisas simples: há
quinze anos que Portugal tem um problema grave de crescimento; este défice de
crescimento não pode ser assacado a qualquer insuficiência da procura, que não
existiu durante aquele período. Ou seja, o programa do PS parte de pressupostos
completamente errados sobre os nossos problemas económicos, pelo que a terapia
sugerida (estimular a procura para promover o crescimento) vai falhar
rotundamente.
Esta terapia já foi aplicada no passado, pelos governos do
PS, e falhou estrondosamente: produziu estagnação económica e um endividamento
externo galopante (de 9% do PIB em 1995 para 104% do PIB em 2010), que nos
lançou nos braços da troika. Como é
que é possível de acreditar que aquilo que não funcionou, de modo algum, no
passado agora é que vai produzir efeitos? Mais ainda, este “modelo” de
funcionamento produziu crescimento e emprego na Grécia (algum dele artificial)
à conta de endividamento externo. Em Portugal, só produziu endividamento, não
teve sequer benefícios.
Para além de tudo isto, que não é pouco, temos que lembrar
que o nosso financiamento, do Estado, da banca e, indirectamente, das empresas,
está dependente de uma única agência de rating.
Não precisamos de fazer muita asneira para voltarmos a ter o financiamento
cortado e, eventualmente, a necessitar de novo de implorar por auxílio da troika.
O nosso passado está recheado de episódios de história
trágico-marítima e não necessitamos que este governo lhe acrescente mais um.
[Publicado no jornal “i”]
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