domingo, 27 de dezembro de 2015

Mais um “presente”

Estamos perplexos com mais um buraco bancário, bem como surpreendidos com a “solução” escolhida pelo governo

Pode-se dizer que em 1995 as nossas contas externas estavam equilibradas num triplo sentido, que os anos seguintes destruíram. Por um lado, o saldo corrente era ligeiramente positivo, por outro, a dívida externa era praticamente inexistente e, finalmente, nesse ano iniciou-se a produção da AutoEuropa, quase integralmente destinada à exportação, de produtos tecnologicamente sofisticados.

Em vez de prosseguir a política de angariar grandes investimentos externos e exportadores, para enfrentar a globalização e sobretudo a concorrência emergente da libertada Europa de Leste, os governos de Guterres e os seguintes lançaram-se numa fúria despesista, que gerou défices externos, por duas vias. Quer pelo efeito directo de aumento da despesa, quer pela pressão sobre preços e salários, que esmagaram as margens do sector exportador.

Começam aqui parte das raízes dos problemas da banca com que nos temos defrontado. Este excesso de procura que se verificou precisou de ser financiado, o que os bancos fizeram com facilidade, devido ao optimismo da caminhada para o euro. Hoje acusa-se a banca, com alguma razão, de ter concentrado os seus créditos no sector não transaccionável, sobretudo construção e imobiliário. No entanto, naqueles anos, era isso que fazia sentido, quer no curto quer no médio prazo, já que aí as condições de rentabilidade eram melhores e o risco menor, enquanto o sector exportador, com as margens esmagadas, constituía um risco considerável. Infelizmente, a aposta no sector não transaccionável não fazia sentido a longo prazo, por ser insustentável.

Em termos estratégicos, a banca cometeu um erro, mas esse erro foi induzido pelos incentivos errados gerados pela política macroeconómica desastrosa a partir do final dos anos noventa.

A facilidade no acesso ao crédito no exterior, por parte dos próprios bancos, levou muitos deles a criar um conglomerado de empresas, muitas vezes incongruente e sem qualquer relação com o negócio bancário. Ainda não é claro se isto foi a principal fonte de problemas do Banif.

O que é evidente é que a factura do Banif é proporcionalmente superior à do BES e isso é extremamente surpreendente. Como o são outros factos.

Como é possível que a gestão do Banif tenha proposto sucessivamente oito (!) planos de reestruturação, que foram todos chumbados pela Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia? Como é que o anterior governo, com elevadas responsabilidades devido ao facto de o Estado se ter tornado o accionista maioritário deste banco, permitiu isto? Como é que esta série interminável de chumbos não alarmou o Banco de Portugal?

O Banif recebeu ajuda pública no final de 2012, pelo que deveria ter passado a ser vigiado com particular cuidado. Em Julho de 2014, com o desastre do BES, o Banco de Portugal deveria ter aprendido que muitos problemas no sector poderiam estar escondidos, em particular nas empresas não financeiras relacionadas, que o banco central tinha antes anunciado aos quatro ventos que não fiscalizaria. Como é evidente, isso deu indicação aos bancos onde é que deveriam esconder a “porcaria”. Como é que, um ano e meio depois do colapso do BES, somos confrontados com um problema proporcionalmente ainda mais grave?

Sem – de modo algum – esgotar as perplexidades associadas a este caso, que deveriam ser esclarecidas por uma comissão verdadeiramente independente, também tenho uma grande dificuldade em perceber os contornos da “solução” escolhida pelo governo. Salvar os grandes depositantes ainda poderá ser defendido, com o argumento de evitar o contágio aos outros bancos, mas poupar os obrigacionistas seniores, agravando a factura dos contribuintes, é absurdo.


[Publicado no jornal “i”]

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