Estamos perplexos com
mais um buraco bancário, bem como surpreendidos com a “solução” escolhida pelo
governo
Pode-se dizer que em 1995 as nossas contas externas estavam
equilibradas num triplo sentido, que os anos seguintes destruíram. Por um lado,
o saldo corrente era ligeiramente positivo, por outro, a dívida externa era
praticamente inexistente e, finalmente, nesse ano iniciou-se a produção da
AutoEuropa, quase integralmente destinada à exportação, de produtos
tecnologicamente sofisticados.
Em vez de prosseguir a política de angariar grandes
investimentos externos e exportadores, para enfrentar a globalização e
sobretudo a concorrência emergente da libertada Europa de Leste, os governos de
Guterres e os seguintes lançaram-se numa fúria despesista, que gerou défices
externos, por duas vias. Quer pelo efeito directo de aumento da despesa, quer
pela pressão sobre preços e salários, que esmagaram as margens do sector
exportador.
Começam aqui parte das raízes dos problemas da banca com que
nos temos defrontado. Este excesso de procura que se verificou precisou de ser
financiado, o que os bancos fizeram com facilidade, devido ao optimismo da
caminhada para o euro. Hoje acusa-se a banca, com alguma razão, de ter
concentrado os seus créditos no sector não transaccionável, sobretudo
construção e imobiliário. No entanto, naqueles anos, era isso que fazia
sentido, quer no curto quer no médio prazo, já que aí as condições de
rentabilidade eram melhores e o risco menor, enquanto o sector exportador, com
as margens esmagadas, constituía um risco considerável. Infelizmente, a aposta
no sector não transaccionável não fazia sentido a longo prazo, por ser
insustentável.
Em termos estratégicos, a banca cometeu um erro, mas esse
erro foi induzido pelos incentivos errados gerados pela política macroeconómica
desastrosa a partir do final dos anos noventa.
A facilidade no acesso ao crédito no exterior, por parte dos
próprios bancos, levou muitos deles a criar um conglomerado de empresas, muitas
vezes incongruente e sem qualquer relação com o negócio bancário. Ainda não é
claro se isto foi a principal fonte de problemas do Banif.
O que é evidente é que a factura do Banif é
proporcionalmente superior à do BES e isso é extremamente surpreendente. Como o
são outros factos.
Como é possível que a gestão do Banif tenha proposto
sucessivamente oito (!) planos de reestruturação, que foram todos chumbados
pela Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia? Como é que o anterior
governo, com elevadas responsabilidades devido ao facto de o Estado se ter
tornado o accionista maioritário deste banco, permitiu isto? Como é que esta
série interminável de chumbos não alarmou o Banco de Portugal?
O Banif recebeu ajuda pública no final de 2012, pelo que
deveria ter passado a ser vigiado com particular cuidado. Em Julho de 2014, com
o desastre do BES, o Banco de Portugal deveria ter aprendido que muitos
problemas no sector poderiam estar escondidos, em particular nas empresas não
financeiras relacionadas, que o banco central tinha antes anunciado aos quatro
ventos que não fiscalizaria. Como é evidente, isso deu indicação aos bancos
onde é que deveriam esconder a “porcaria”. Como é que, um ano e meio depois do
colapso do BES, somos confrontados com um problema proporcionalmente ainda mais
grave?
Sem – de modo algum – esgotar as perplexidades associadas a
este caso, que deveriam ser esclarecidas por uma comissão verdadeiramente
independente, também tenho uma grande dificuldade em perceber os contornos da
“solução” escolhida pelo governo. Salvar os grandes depositantes ainda poderá
ser defendido, com o argumento de evitar o contágio aos outros bancos, mas
poupar os obrigacionistas seniores, agravando a factura dos contribuintes, é
absurdo.
[Publicado no jornal “i”]
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