Um governo de esquerda
tem que garantir que não nos leva de volta para a troika
Na noite das eleições, António Costa tinha prometido que
respeitaria os resultados eleitorais e que não formaria uma coligação negativa.
No entanto, faltou – mais uma vez à sua palavra – como o faria posteriormente
várias vezes, nomeadamente ao dizer ao PR que tinha uma alternativa de
esquerda, quando se tornou evidente que demorou mais de um mês até conseguir
algo que só pode ser considerado como “poucochinho”.
O PS não conseguiu que o BE, o PCP ou o PEV integrassem um
eventual governo de esquerda; não conseguiu chegar a um acordo “da” esquerda,
mas três acordos diferentes; não conseguiu que estes textos tivessem conteúdos
essenciais, como o cumprimento do Tratado Orçamental, do que qual está
dependente o nosso financiamento; não conseguiu unir as esquerdas, que parece
que não se conseguem reunir na mesma sala nem bater palmas uns aos outros.
O resultado alcançado por Costa nestas negociações é muito
menos que “poucochinho”, é completamente insuficiente. Será incompreensível que
o PR o nomeie primeiro-ministro com base em acordos tão pífios. É
imprescindível que Cavaco Silva exija do PS compromissos muito mais
substantivos do que os alcançados até agora.
Os mais ferrenhos militantes partidários poderão ver aí um
obstáculo do presidente da direita a um governo de esquerda, o que até poderá
ser mas, nem de longe nem de perto se esgota aí.
A situação nacional é de convalescença, mas os riscos de
recaída ainda são substanciais e as promessas constantes nos acordos de
esquerda têm todas as condições para acelerar uma recaída e mesmo um novo
resgate financeiro.
O nosso crescimento económico ainda é débil e só taxas de
juro excepcionalmente baixas é que permitem a sustentabilidade da nossa dívida
pública. A nossa fragilidade é tal que as principais agências de rating ainda nos atribuem a notação de
“lixo”, estando o nosso financiamento junto do BCE dependendo de um única
agência de rating, a canadiana DBRS,
por agora acalmada pelo PS. Não é necessário fazermos muitas asneiras, basta
uma fracção das promessas dos acordos de esquerda, para a nossa situação se
complicar extraordinariamente.
Parece ser do mais elementar bom senso que o PR exija
garantias claras que todo o esforço e sacrifício de aplicação do programa da troika não vá pelo cano em poucos meses.
Um provável falhanço das negociações à esquerda, poderá
levar o PR a voltar a nomear Passos Coelho como primeiro-ministro, desta vez
com a incumbência de encontrar apoio parlamentar maioritário. Nessa altura,
após um total falhanço de António Costa, este partido poderá querer mudar de
líder, mas talvez não haja oportunidade de o fazer de forma atempada.
A incapacidade de construir uma alternativa de esquerda deve
produzir nestes partidos um grande medo de eleições antecipadas. Dentro destes,
quem tem razão para ter mais medo é o BE, por ter o eleitorado mais volátil.
Esta poderá ser uma razão adicional para o cenário em que já
aqui falei, uma coligação entre o PàF e o BE. O Bloco tem vindo a fazer um
percurso do idealismo para o pragmatismo e é provável que o fracasso de formar
um executivo à esquerda também ajude nesta evolução, levando-os a perceber que
um pequeno partido terá sempre que ceder, se quiser participar numa solução
governativa.
Outra alternativa seria de novo um governo apenas do PàF até
ser possível marcar eleições legislativas antecipadas. Se a esquerda não
consegue formar governo, então que deixe a direita governar alguns meses, até
ser possível dar de novo a palavra aos eleitores, com muito maior clareza sobre
quais são os possíveis cenários pós-eleitorais.
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